Vereador censurado

É uma lástima que a ‘cultura do cancelamento’ que assombra outros países ganhe força no Brasil
Foto: Divulgação

Foi um absurdo — e antidemocrático — o protesto de setores da esquerda que impediram o vereador paulistano Fernando Holiday (Novo) e pré-candidatos do mesmo partido de falar em evento na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) no final de junho. Aos gritos de “recua, fascista, recua, a Unicamp nunca vai ser sua”, integrantes da União da Juventude Comunista tumultuaram o evento até que fosse cancelado. As outrora denominadas “patrulhas ideológicas” passaram pela transmutação que levou à atual “cultura do cancelamento”. A essência continua a mesma do passado. São manifestações de obscurantismo, intolerância e autoritarismo que precisam ser rebatidas com veemência.

O liberalismo, a corrente política baseada na liberdade, confere direitos aos indivíduos. O mais fundamental deles é a autonomia, a possibilidade de fazer escolhas individuais nos campos da religião, associação, opinião e vida política. Esses direitos foram arduamente conquistados pelos brasileiros. Quem os ataca deve ser prontamente rechaçado, independentemente do lugar que ocupe no espectro político.

Por isso causa repulsa o discurso que espalha por universidades brasileiras tentando censurar vozes discordantes da opinião majoritariamente de esquerda que predomina nelas. O histórico do vereador paulistano no Movimento Brasil Livre, sua defesa do “neoliberalismo”, até os abusos do presidente Jair Bolsonaro são usados como argumentos para justificar o injustificável. É esperado que o pequeno grupo de jovens comunistas acredite nas suas crenças fantasiosas. Muito pior é quem dissemina a ideia de que haja razão defensável para censurar um debate em universidades e outros lugares públicos. Não há.

Nos Estados Unidos, o terror imposto pela “cultura do cancelamento” transformou reitores e chefes de departamento em policiais do pensamento. Decisões sobre demissões e eventos são tomadas com base no que tal acadêmico disse ou escreveu sobre temas muitas vezes alheios a sua atuação.

Em 2021, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) convidou um renomado geofísico da Universidade de Chicago para proferir uma palestra. Quando vieram a público críticas dele às ações afirmativas, foi desconvidado. O título da palestra? Clima e o Potencial da Vida em Outros Planetas. Diferentes pesquisas de opinião demonstram que a censura se alastrou pela sociedade americana. Num levantamento recente, 46% dos pesquisados disseram se sentir menos livres para falar de política do que há uma década.

É uma lástima que as mesmas patrulhas estejam ativas no Brasil. Para que o país supere suas mazelas históricas, é imprescindível continuar contando com uma sociedade plural. É num ambiente livre que as melhores ideias florescem, e as piores perdem força. Há, sim, limites para a liberdade de expressão, mas quem os impõe são a lei e a Justiça — não quem se considera no mais alto nível do pedestal da moralidade. Numa conjuntura em que as ameaças vêm da extrema esquerda e da extrema direita, a vigilância precisa ser maior. (Editorial O Globo)

Relacionados

Postagens Relacionadas

Nenhum encontrado

Cadastre-se e receba notificações de novas postagens!