Quase 90% dos trabalhadores domésticos não têm carteira assinada no Pará

No Pará são cerca de 205 mil pessoas na profissão. O estudo revelou contrastes vividos pela categoria, que divide-se entre os benefícios da CLT e a flexibilidade das diárias
Edilma Barbosa prefere trabalhar como diarista. Ela trabalha todos os dias da semana e ganha em média R$ 5 mil. (Cristino Martins)

Um estudo divulgado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) ontem, em parceria com o Governo do Estado do Pará, destrinchou pela primeira vez o perfil dos trabalhadores domésticos do Norte, região onde o Pará possui quase metade dos trabalhadores (46,3%). Utilizando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD/Contínua) do IBGE, o estudo revelou contrastes vividos pela categoria, que divide-se entre os benefícios da CLT e a flexibilidade das diárias, onde alguns profissionais chegam a ganhar R$ 5 mil mensais.

De acordo com os dados analisados, no quarto trimestre do ano passado (Out-Dez/2023), o total de ocupados em todo o Brasil alcançava cerca de 100,9 milhões de pessoas, sendo aproximadamente 6 milhões delas trabalhadores domésticos, representando 6,0% do total de ocupados no país. Na região Norte, esse número era de aproximadamente 443 mil pessoas, o que corresponde a 5,4% do total de ocupados na região. No Pará, o número de trabalhadores domésticos atingia cerca de 205 mil pessoas, o que representa 5,3% do total de ocupados no estado.

Além disso, o estudo apontou um crescimento no número de trabalhadores domésticos, tanto a nível nacional quanto regional e estadual. No comparativo entre o quarto trimestre de 2023 e o mesmo período do ano anterior, houve um aumento de 3,5% no Brasil, 6,2% na região Norte e 3,0% no Pará, estado que possui quase três vezes mais trabalhadores domésticos (205 mil pessoas) que o segundo estado da região, o Amazonas, onde cerca de 73 mil pessoas trabalham na profissão.

A pesquisa mostra também que, no Pará, 87,3% dos trabalhadores domésticos não possuíam carteira assinada no final de 2023.

Contrastes

Edilma Barbosa, uma diarista de 45 anos que mora no bairro da Cremação, em Belém, se especializou como cuidadora de idosos, profissão que exerceu por mais de uma década. Edilma se viu sem trabalho quando seus clientes faleceram e encontrou na diária doméstica uma forma de sustentar sua família de dois filhos, hoje já adultos universitários. Como ela não para em casa, são os dois que cuidam do lar.

Trabalhando sete dias por semana para sete casas diferentes, Edilma não possui registro como trabalhadora doméstica em carteira e enfrenta uma jornada exaustiva, sem os benefícios garantidos pela formalização do emprego aprovada em 2013. Ela não viu melhorias significativas na regulamentação e prefere atuar como diarista, pois consegue ganhar em torno de R$ 5 mil mensais.

“Infelizmente ainda não é todo mundo que cumpre essa lei. Muita gente continua trabalhando como se essa lei não existisse. Existem trabalhadoras que ficam anos presas a um patrão, muitas vezes fazendo horas extras diárias e nunca recebe. Nas diárias tenho o horário certo, trabalho tantas horas por dia e dou meu valor, R$ 150 por dia”, diz a profissional, que quando quer folgar precisa combinar com o cliente do dia e desmarcar a diária.

Contrapondo essa realidade está Suelen Silva, trabalhadora doméstica de 35 anos, moradora da Cidade Nova 6, em Ananindeua, região metropolitana de Belém. Após anos de trabalho informal, Suelen viu seus direitos reconhecidos com a regulamentação da profissão. Atualmente, com carteira assinada, Suelen trabalha excluisvamente para uma casa e possui uma jornada regular de oito horas diárias e um salário mensal médio de R$ 2.000.

“Trabalhar ou não de CLT é um eterno dilema. Se por um lado temos os direitos mínimos reconhecidos, por outro ficamos presas a um cliente e um salário. Por um lado, isso me permite ter tempo para minhas filhas, participar da vida delas, estar mais presente. Por outro, tem sempre a necessidade de aumentar a renda”, explica.

Herança Cultural 

Analisando essas realidades, a Professora Danila Cal, docente da Faculdade de Comunicação da UFPA e autora de livros sobre comunicação e trabalho doméstico, destaca a complexa interseção entre gênero, raça e classe social entranhado no trabalho doméstico. Ela ressalta a tendência de atribuir às mulheres, especialmente as negras e pardas, a responsabilidade pelo cuidado da casa e da família, refletindo uma herança cultural enraizada na estrutura patriarcal e racista da sociedade brasileira.

“Mais de 90% desses trabalhadores são mulheres. Isso é um fator muito importante, porque o trabalho doméstico envolve o que a gente chama de divisão sexual do trabalho. Normalmente, o trabalho doméstico é atribuído a elas como se fosse um dever quase que natural da mulher, uma obrigação. Isso é uma construção social e cultural, fruto de uma cultura patriarcal, machista, sexista, que atribui à mulher as responsabilidades do cuidado com a casa, os filhos, etc”, explica a pesquisadora, que atenta para o fato do estudo não ter aprofundado as questões raciais que envolvem o perfil destas trabalhadoras.

“O relatório da pesquisa não mostra isso, mas se a gente fosse fazer um recorte, por exemplo, de raça, como outras pesquisas mostram, veríamos com certeza que a maior parte são mulheres pretas e pardas. Por quê? Porque também tem um recorte racial muito forte no trabalho doméstico. No Brasil quem exerce o trabalho doméstico em sua maioria são mulheres negras e isso vem a partir de uma herança esclavagista”, diz. (Com Oliberal)

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