Padre é afastado de funções religiosas por celebrar cerimônia com casais gays

Afastamento do padre Assis Tavares na Zona Leste gerou comoção entre os moradores por causa de seu trabalho com famílias pobres. Arquidiocese diz que não se trata de uma punição ao padre, ‘mas, sim, uma medida cautelar quando há uma irregularidade grave que precisa ser melhor esclarecida’.
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O afastamento do padre Ivanildo de Assis Mendes Tavares das funções religiosas da comunidade São José Operário da Vila Prudente, na Zona Leste de São Paulo, tem gerado comoção entre os moradores católicos de várias comunidades carentes da região.

Nascido em Cabo Verde, na África, padre Assis Tavares, como é conhecido, faz desde 2013 um trabalho pastoral de ajuda aos pobres da região. Defensor e integrante de movimentos negros da Zona Leste, o religioso foi afastado pelo Arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Pedro Scherer, por ter participado de um casamento religioso comunitário em outubro na cidade de Franco da Rocha, na Grande SP. Na cerimônia, ao menos três casais abençoados pelos vários religiosos presentes, de diferentes crenças religiosas, eram gays.

Na carta de afastamento, o Arcebispo alega que o padre participou de uma “simulação de sacramento”, conduta que é proibida pelo código canônico, uma espécie de ordenamento jurídico que rege a Igreja Católica. Com isso, o padre está proibido de celebrar sacramentos e de exercer suas funções sacerdotais.

Os religiosos que participaram do casamento coletivo em Franco da Rocha, na Grande SP, em 22 de outubro.  — Foto: Orlando Júnior/Prefeitura de Franco da Rocha

Os religiosos que participaram do casamento coletivo em Franco da Rocha, na Grande SP, em 22 de outubro. — Foto: Orlando Júnior/Prefeitura de Franco da Rocha

O afastamento gerou um abaixo-assinado publicado pela Comunidade São José Operário nas redes sociais, onde mais de 2.500 pessoas assinaram o documento pedindo que Dom Odilo reconsidere a punição. O título da carta diz que “Entre a lei e o amor, escolhemos o amor!” e pede que a Igreja Católica reconsidere o afastamento do padre.

“Desde sua chegada a Área Pastoral São José Operário, nas favelas da Vila Prudente, caminhando no meio do povo, entre os becos e vielas sua opção é bem clara, e para nós, é um irmão que desde jovem saiu das Ilhas de Cabo Verde e assumiu sua missão de ser presença no meio do povo oprimido, mas isso tem um custo. Somos testemunhas do quanto Padre Assis é fiel ao evangelho, essa fidelidade que tem como prêmio a Cruz”, diz a carta (leia aqui).

“O povo da Área Pastoral São José Operário, das Favelas, vem por meio desta carta externar nosso pedido de que seja ‘revista a decisão’ que penaliza não só o Padre Assis, mas todo o povo que caminha junto com ele entre os becos e vielas buscando testemunhar que a perspectiva do Reino de Deus é espaço de Misericórdia e não de castigo e que abençoar pessoas é sinal do amor de Deus”, declarou o documento.

O abaixo-assinado foi escrito por lideranças de cinco comunidades carentes da região Episcopal Belém, onde o padre atua: a Favela de Vila Prudente, a Favela Jacaraípe, Favela Ilha das Cobras, Favela Haiti e Favela da Sabesp, todas na Zona Leste.

O padre Ivanildo de Assis Mendes Tavares ativista dos direitos das pessoas negras, encarceradas e da comunidade LGBTQIA+ em São Paulo. — Foto: Reprodução/Facebook

O padre Ivanildo de Assis Mendes Tavares ativista dos direitos das pessoas negras, encarceradas e da comunidade LGBTQIA+ em São Paulo. — Foto: Reprodução/Facebook

O que diz a Arquidiocese de SP

Por meio de nota, a Arquidiocese de São Paulo confirmou o afastamento e disse que não se trata de uma punição ao padre, “mas, sim, uma medida cautelar, prevista nas normas da Igreja, quando há uma irregularidade grave, do ponto de vista religioso, que precisa ser melhor esclarecida”.

Segundo a Igreja Católica, a “’retirada do uso de Ordem’ ao referido Padre na Arquidiocese de São Paulo, é cautelar, podendo ser mudada, após serem esclarecidos os fatos e as suas consequências e a depender da aceitação do sacerdote de observar as normas da Igreja”.

“O que causou a medida foi o possível delito canônico de ‘simulação de sacramento’ do Matrimônio, pois não houve o devido encaminhamento da celebração das mencionadas uniões, nem foi feito antes, como prescrevem as normas eclesiásticas, o regular ‘processo matrimonial’ para a verificação das condições para a realização válida e lícita dos casamentos, do ponto de vista religioso. E o sacerdote não podia celebrar casamentos, ainda que fossem ‘regulares’, sem a devida autorização do bispo ou do pároco local.

Nem poderia celebrar validamente em conjunto com ministros de outras religiões, sem a devida ‘dispensa’ para tanto. Tratou-se, portanto, da participação inteiramente irregular, do ponto de vista das normas da Igreja Católica, para uma celebração de casamentos”, afirmou a nota da Arquidiocese.

A Igreja Católica paulista não menciona a questão dos casais gays no casamento e afirma apenas que “o fato ocorrido não consistiu apenas em uma benção dada às pessoas individualmente, que, certamente, não pode ser negada a ninguém que a pede. O que houve, na verdade, foi uma bênção às uniões civis ali realizadas”.

“As pessoas presentes desejavam se casar e não apenas receber uma bênção. A Igreja tem o Matrimônio como um dos seus sacramentos e não permite que sejam dadas “simples bênçãos” que possam levar os casais a crerem ter contraído Matrimônio católico”, declarou a nota (veja a íntegra abaixo).

g1 procurou o padre Assis, mas foi informado na comunidade que ele retornou à Cabo Verde para passar férias e deve permanecer por lá até março.

O padre Ivanildo de Assis Mendes Tavares durante celebração na Comunidade São José Operário, na Zona Leste de SP.  — Foto: Reprodução/Facebook

O padre Ivanildo de Assis Mendes Tavares durante celebração na Comunidade São José Operário, na Zona Leste de SP. — Foto: Reprodução/Facebook

Casamento coletivo intereligioso

O casamento coletivo em Franco da Rocha acontece em 22 de outubro, quando 20 casais foram abençoados não apenas pelo padre Assis, mas também a iyálorisá Tania ti Oyá, o pastor Sérgio Cunha e o kardecista José Lúcio Arantes.

O evento acontece há 15 anos na cidade e, em 2022, a cerimônia aconteceu Ginásio de Esportes Carlos Vicente Ferreira, localizado no Jardim Cruzeiro.

Segundo a Arquidiocese de SP, a comunidade da Vila Prudente continuarão sendo assistidas pastoralmente pelo setor episcopal do Belém.

“As comunidades católicas da Vila Prudente continuarão a ser atendidas pastoralmente e a “retirada do uso de Ordem” ao referido Padre na Arquidiocese de São Paulo, como já dito, é cautelar, podendo ser mudada, após serem esclarecidos os fatos e as suas consequências e a depender da aceitação do sacerdote de observar as normas da Igreja”, disse.

“A Arquidiocese de São Paulo lamenta o ocorrido e reforça que as medidas tomadas visam a tutelar a sacralidade do Sacramento do Matrimônio que, como ressalta o Papa Francisco, ‘não é uma convenção social, um rito vazio ou o mero sinal externo de um compromisso’, mas, sim, ‘um dom para a santificação e a salvação dos esposos’, sinal da união indissolúvel de Cristo com a Igreja”, completou.

Íntegra da nota da Igreja Católica

“A Arquidiocese de São Paulo informa que, infelizmente, o Padre Ivanildo de Assis Mendes Tavares, missionário da Congregação do Espírito Santo (Espiritanos), atuante na Arquidiocese de São Paulo, teve o seu “uso de ordens” (autorização para exercer o ministério sacerdotal) revogado nesta Arquidiocese. Não se trata de uma “punição”, mas, sim, uma medida cautelar, prevista nas normas da Igreja, quando há uma irregularidade grave, do ponto de vista religioso, que precisa ser melhor esclarecida.

O que causou a medida foi o possível delito canônico de “simulação de sacramento” do Matrimônio, pois não houve o devido encaminhamento da celebração das mencionadas uniões, nem foi feito antes, como prescrevem as normas eclesiásticas, o regular “processo matrimonial” para a verificação das condições para a realização válida e lícita dos casamentos, do ponto de vista religioso. E o sacerdote não podia celebrar casamentos, ainda que fossem “regulares”, sem a devida autorização do bispo ou do pároco local. Nem poderia celebrar validamente em conjunto com ministros de outras religiões, sem a devida “dispensa” para tanto. Tratou-se, portanto, da participação inteiramente irregular, do ponto de vista das normas da Igreja Católica, para uma celebração de casamentos.

Vale ressaltar que o fato ocorrido não consistiu apenas em uma benção dada às pessoas individualmente, que, certamente, não pode ser negada a ninguém que a pede. O que houve, na verdade, foi uma bênção às uniões civis ali realizadas. As pessoas presentes desejavam se casar e não apenas receber uma bênção. A Igreja tem o Matrimônio como um dos seus sacramentos e não permite que sejam dadas “simples bênçãos” que possam levar os casais a crerem ter contraído Matrimônio católico.

As comunidades católicas da Vila Prudente continuarão a ser atendidas pastoralmente e a “retirada do uso de Ordem” ao referido Padre na Arquidiocese de São Paulo, como já dito, é cautelar, podendo ser mudada, após serem esclarecidos os fatos e as suas consequências e a depender da aceitação do sacerdote de observar as normas da Igreja.

A Arquidiocese de São Paulo lamenta o ocorrido e reforça que as medidas tomadas visam a tutelar a sacralidade do Sacramento do Matrimônio que, como ressalta o Papa Francisco, “não é uma convenção social, um rito vazio ou o mero sinal externo de um compromisso”, mas, sim, “um dom para a santificação e a salvação dos esposos”, sinal da união indissolúvel de Cristo com a Igreja. (cf. Amoris laetitia, 72)”. (Com informações do G1)

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