MARABÁ (PA), ATUALIZAÇÃO – O escritório Odilon Neto Advogados deu entrada, ontem, segunda-feira (5), em um processo na 2ª Vara Cível e Empresarial da Comarca de Marabá, buscando, junto à Justiça, o reconhecimento da união homoafetiva entre Noé Lima da Silva e Salatiel Santos e Silva, morto no dia 28 de setembro de 2018. A petição baseia-se na sentença sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, reconhecendo a união estável para casais do mesmo sexo.
De acordo com Noé Lima, o casal mantinha um relacionamento homoafetivo desde março de 2013. O reclamante apresentou provas à Redação do Portal Debate Carajás, através de fotografias, relatos de testemunhas, áudios e vídeos, materializando a existência da convivência entre o casal, há seis anos. Na época do assassinato de Salatiel Santos, o casal estava afastado, temporariamente, devido a preconceitos de terceiros, mas mantinha contato até a trágica morte do cônjuge do ativista, mesmo Noé Lima estando estudando em Belém.
Segundo Noé Lima, o assassinato de Salatiel Santos e Silva, 23 anos, provocou um “terremoto existencial” na vida do ativista dos Direitos Humanos. Embora recém separados, os dois mantinham um relacionamento bastante intenso, entretanto, devido a várias formas de discriminação social, o casal se apresentava apenas como “amigos”. Noé Lima busca, na Justiça, mesmo após a morte do companheiro, o reconhecimento da união homoafetiva entre o casal para poder proporcionar uma vida melhor para o filho de Salatiel.
Diante da complexidade do caso, pois um processo buscando o reconhecimento de uma união homoafetiva post mortem, no Pará, deve ser o primeiro caso a ir a julgamento, o Portal Debate Carajás ouviu testemunhas e autoridades para falar sobre aspectos jurídicos e a convivência do casal.
Beto Paes
Em conversa com o ativista LGBTI Beto Paes, coordenador estadual da Rede Gay Brasil e Coordenação Estadual da Aliança Nacional LGBTI, ele afirmou que, em 2011, por unanimidade, os ministros do Supremo Tribunal Federal reconheceram o casamento de pessoas do mesmo sexo, estabelecendo os mesmos direitos para casais homoafetivos e casais heteroafetivos. Beto Paes relatou ainda que conheceu o casal Noé Lima e Salatiel Santos mantendo um relacionamento homoafetivo durante vários anos. “Salatiel Santos sempre estava junto com Noé Lima nas lutas do Movimento LGBTI, em encontros estaduais e nacionais. Eu sempre via o casal junto”, disse o ativista.
Simmy Larrat
A presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transexuais (ABGLT), “Simmy Larrat”, disse que qualquer criminalização, violação ou negação de direitos ao público LGBTI constitui-se em crime, previsto na decisão da maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), proferida no dia 13 de junho de 2019, criminalizando atos de homofobia e de transfobia. “Quem negar o direito a algum benefício ao cônjuge LGBTI estará cometendo um crime”, observa a líder nacional LGBTI, baseada na decisão do STF. Para Simmy Larrat, a Constituição garante os mesmos direitos aos casais homoafetivos e heteroafetivos sem distinção.
Bárbara Pastana
A ativista dos Direitos Humanos Bárbara Pastana, membro da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) e do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (FONATRANS), afirmou que conhece Noé Lima, há vários anos, na luta a favor dos direitos do público LGBTI. “Um preconceito ou negação de direitos não podem tirar a vontade de viver de Noé Lima. Acompanhei o relacionamento do casal desde 2013. Eles não tinham a união estável porque não eram casados legalmente, mas formavam um casal. A justiça será feita, garantindo ao Noé aquilo que está previsto em lei”, argumentou a ativista.
Noé Lima
“Nunca pude colocar uma cruz no túmulo do meu companheiro devido às várias formas de preconceito”, relatou Noé Lima. Após 10 meses, o reclamante afirma que os bens de Salatiel nunca foram passados para o nome de um filho dele, de quatro anos, que mora no estado de Goiás. O verdadeiro herdeiro. O ativista garante que lutará na Justiça para transferir os bens para o nome do menor. “Não quero um centavo dos bens do Salatiel, estou lutando para ter o reconhecimento legal de nosso relacionamento e garantir os direitos do filho dele”.
Segundo Noé Lima, o relacionamento do casal foi interrompido em dezembro de 2017, quando Salatiel adoeceu e foi internado na cidade de Goiânia (GO) e o reclamante foi estudar jornalismo em Belém. De acordo com o a ativista, ao receber alta, ainda debilitado pela doença, Salatiel ficou perambulando pelas ruas de Marabá até ser assassinado em Marabá. “Desde o dia 28 de dezembro de 2017, data da viagem para a capital de Goiás, eu pude vê-lo”, assegurou Noé.
Odilon Neto Advogados
Para o advogado Dr. Odilon Neto, os direitos de Noé Lima são cristalinos, tendo sido amplamente discutido no Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da ADPF 132. O conceito de família naquele julgamento protege o anseio do Noé, pois independentemente de ser heteroafetivo ou homoafetivo a CF/88 não faz distinção. O processo corre em segredo de justiça em Marabá.
Família de Salatiel Santos
A Redação do Portal Debate Carajás não conseguiu contato com parentes de Salatiel Santos, mas o espaço fica aberto para a família do falecido posicionar-se a respeito do processo movido por Noé Lima, buscando o reconhecimento da união homoafetiva do casal.