Temperatura média global excede 2°C da era pré-industrial pela 1ª vez

O calor recorde ocorre em um ano marcado pela forte ação do fenômeno El Niño e pela intensificação de efeitos das mudanças climáticas provocadas pelas emissões de gases de efeito estufa (GEE)

Na sexta-feira 17 de novembro, o mundo bateu um marco considerado preocupante no cenário climático: pela 1ª vez, a média global de temperatura ultrapassou os 2°C de anomalia e atingiu exatos 2,07°C acima dos níveis pré-industriais (1850-1900). O valor provisório para o sábado (18) é 2,06°C.

Se a comparação for feita apenas com um período histórico mais recente, 1991 a 2020, a anomalia representa um aumento de 1,17°C em relação à média registrada. Os marcos históricos foram divulgados pela diretora adjunta do Serviço de Monitorização das Alterações Climáticas do Copernicus (C3S), Sam Burgess, e depois confirmados pelo próprio C3S.

O calor recorde ocorre em um ano marcado pela forte ação do fenômeno El Niño e pela intensificação de efeitos das mudanças climáticas provocadas pelas emissões de gases de efeito estufa (GEE). Os GEE são resultado de atividades humanas, como a utilização de combustíveis fósseis ou as queimadas de áreas florestais.

Os dados sinalizam uma tendência alarmante no panorama global. O pesquisador Carlos Nobre, referência internacional nos efeitos das mudanças climáticas, explica que o fenômeno El Niño faz com que o calor seja maior no verão e o inverno seja menos rigoroso, com mudança na distribuição das chuvas.

Em 2016, quando também houve El Niño, o mundo também bateu recordes de calor, mas a anomalia da temperatura foi de 0,94°C — quase metade do que foi verificado agora. Para Carlos Nobre, o número é resultado da maior emissão de gases do efeito estufa.

“Para entender esse recorde, a gente olha para as emissões de carbono. Em 2022 tivemos um recorde de emissões e as estimativas mostram que 2023 vai bater esse recorde. Quando vemos isso, percebemos que a alta era o esperado”, explica.

Na mesma direção, Luciana Gatti, pesquisadora do Inpe especialista em emissão de carbono, afirma que a principal conclusão a partir destes dados é que os aumentos de temperatura e o aumento dos eventos extremos estão mais acelerados do que os modelos previam.

“A gente tem que observar essas mudanças e se perguntar se o colapso climático já não começou, se já não temos tempo de esperar 2030. Quantas pessoas mais vão ter que morrer para entendermos que é preciso mudança? “, afirma Luciana Gatti.

Em entrevista ao g1, a divulgadora científica Karina Bruno Lima, doutoranda em Climatologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica que a medição não representa o dia mais quente registrado pelo Copernicus, sendo esse recorde estabelecido em julho deste ano.

Lima ressaltou a importância de compreender que o destaque recai sobre a maior anomalia em comparação com a média pré-industrial para o período. “Como é a primeira vez que ficamos 2°C acima, é muito preocupante”, afirmou.

A Organização Meteorológica Mundial (OMM) alertou em suas redes sociais que a marca “NÃO significa que tenhamos ultrapassado os níveis do Acordo de Paris”, que tem como base médias que cobrem 20 ou mais anos, em vez de dias, meses ou anos individuais.

“Mas (o marco de 2,07°C) envia um aviso para a COP28 sobre a urgência da ação climática”, afirma a OMM, agência ligada à ONU.

A marca de temperatura de outubro se soma à lista de diversos recordes globais de calor deste ano:

  • Segundo o Copernicus, o mês de outubro de 2023, foi o mais quente já registrado em nível mundial, com uma temperatura média do ar à superfície de 15,3°C, o que representa 0,85°C acima da média de outubro de 1991 a 2020 e 0,4°C acima do outubro mais quente anterior, em 2019.
  • A anomalia da temperatura global para outubro de 2023 foi a segunda mais alta em todos os meses do conjunto de dados ERA5, atrás de setembro de 2023.
  • O mês como um todo foi 1,7°C mais quente do que uma estimativa da média de outubro para 1850-1900, o período de referência pré-industrial.
  • E por causa de tudo isso, 2023 deve terminar como o ano mais quente em 125 mil anos.

Meta distante: conter o aquecimento a 1,5°C

Relatório recente da Organização das Nações Unidas (ONU) aponta que a probabilidade de limitar o aquecimento a 1,5°C é de apenas 14%. O dado consta em documento lançado dias antes da COP, a conferência do clima da ONU, que desta vez entra em sua 28ª edição e acontece em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

Outro relatório da ONU alerta que as emissões globais de gases de efeito estufa (GEE) aumentaram 1,2% de 2021 a 2022, atingindo um novo recorde de 57,4 Gigatoneladas de Dióxido de Carbono Equivalente (GtCO2e).

O Acordo de Paris, assinado em dezembro de 2015, criou metas para que os países consigam manter o aquecimento global abaixo de 2ºC, buscando limitá-lo a 1,5ºC. Os países ricos devem garantir um financiamento de US$ 100 bilhões por ano, e os compromissos deverão ser revistos a cada 5 anos. Ou seja, em 2025 haverá uma nova reunião-chave internacional para calibrar as metas e garantir uma melhor preservação do planeta.

Sete consequências do aquecimento global, segundo a ONU:

  • Com o aquecimento a 2ºC, o mar do Ártico sofrerá degelo durante o verão a cada 10 anos. Essa frequência diminui para 100 anos com o aquecimento de 1,5ºC;
  • Até o final do século, o aumento do nível do mar deve ser 0,1 metro menor no cenário a 1,5ºC do que a 2ºC. O intervalo projetado para 1,5ºC é de 0,26 a 0,77 metro;
  • No melhor cenário, até 10,4 milhões de pessoas a menos serão impactadas pelo aumento do nível do mar até 2100;
  • Em regiões continentais, ondas de calor podem ser de duas a três vezes maiores no cenário acima de 2ºC do que naquele de 1,5ºC;
  • O número de espécies de animais e plantas que podem desaparecer é muito maior na projeção para 2ºC do que naquela de 1,5ºC;
  • Os ciclones tropicais devem ocorrer em menor frequência, mas deve ser maior o número de ciclones com intensidade muito forte, fator acentuado no cenário de 2ºC, em relação a 1,5ºC;
  • O aquecimento global a 2ºC deve aumentar a probabilidade de ocorrência de secas extremas, assim como falta de chuvas e riscos associados à falta de água.
(Portal Debate, com g1)

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