Próxima pandemia pode ter origem na Amazônia, alertam pesquisadores

De acordo com estudo, o desmatamento torna cada vez mais possível o surgimento da próxima pandemia na maior floresta tropical do mundo
Foto: Reprodução

Enquanto fazendas avançam pela floresta amazônica, as árvores caídas e os pastos em expansão podem abrir caminho para novas exportações brasileiras além da carne bovina e da soja: doenças pandêmicas, de acordo com pesquisadores.

As mudanças na Amazônia estão deslocando espécies animais, que vão de morcegos a macacos e mosquitos, para novas áreas, e ao mesmo tempo abrem a região para a chegada de espécies mais adaptadas ao cerrado, incluindo roedores.

Estas alterações, somadas à maior interação humana com animais à medida que as pessoas se instalam nas profundezas da floresta, estão aumentando as chances de um vírus virulento, uma bactéria ou um fungo saltar de uma espécie a outra, disse Adalberto Luís Val, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), sediado em Manaus.

A mudança climática, que está provocando alterações nas temperaturas e nos regimes de chuvas, aumenta os riscos, explicou o biólogo.

“Há perigo muito grande pois… há um ‘displacement’ dos organismos. Eles tentam se adaptar, enfrentar esses novos cenários desafiadores, mudando de lugar”, disse Val à Thomson Reuters Foundation em entrevista por telefone.

O Instituto Evandro Chagas, uma organização de pesquisa de saúde pública de Belém, identificou cerca de 220 tipos diferentes de vírus na Amazônia, 37 dos quais podem causar doenças em humanos e 15 com potencial para causar epidemias, disse o pesquisador.

Entre elas está uma variedade de encefalites diferentes, além da febre do Nilo Ocidental e o rocio, um vírus brasileiro da mesma família que gera a febre amarela e o vírus do Nilo Ocidental, observou ele em um artigo publicado pela Academia Brasileira de Ciências em maio.

Val disse estar especialmente preocupado com os arbovírus, que podem ser transmitidos por insetos como os mosquitos que portam a dengue e o Zika.

Cecília Andreazzi, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), disse que a disparada atual do desmatamento e de queimadas na Amazônia pode levar a novos encontros de espécies em trânsito — cada uma delas uma possibilidade de um patógeno existente se transformar ou saltar entre espécies.

A pesquisadora mapeia agentes infecciosos existentes entre os animais do Brasil e constrói modelos matemáticos para descobrir como a paisagem nacional em mudança “está influenciando a estrutura destas interações”.

Ainda pior

Para Mariana Vale, professora de ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a próxima pandemia “pode ter proporções maiores” do que a covid-19, uma doença “altamente transmissível, mas cuja taxa de letalidade é baixa”. Ela apontou como exemplo o caso do ebola, um vírus “altamente letal”.

Mariana ressalta não ser possível prever, “mas se continuarmos a desmatar às taxas atuais, é totalmente plausível que a próxima pandemia venha da Amazônia”. Segundo a pesquisadora, o desmatamento em zonas tropicais “é talvez das maiores fontes de emergência de novas doenças, senão mesmo a maior”.

Em janeiro, o desmatamento na Amazônia disparou, batendo novo recorde, com 430 quilômetros quadrados de vegetação nativa destruídos, um aumento de 419% em relação ao mesmo mês de 2021, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil. Ainda assim, a Amazônia mantém cerca de 80% da cobertura vegetal original, sublinhou Mariana Vale.

“O potencial está lá, temos um ‘reservatório’ de diferentes vírus em animais selvagens que estão lá a viver sem incomodar ninguém”, disse Márcia Castro, especialista em demografia na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. “Mas à medida que começamos a invadir o ambiente deles” aumenta a possibilidade de vírus ainda desconhecidos infectarem seres humanos, completou a pesquisadora, que participou, juntamente com Mariana, do estudo sobre prevenção de pandemias, publicado no jornal científico da Science Advances.

O estudo durou quase um ano e contou também com a participação de epidemiologistas, economistas, ecologistas e biólogos ligados à conservação da natureza, em 21 instituições nos Estados Unidos, na China, no Brasil, na África do Sul e no Quénia.

Vírus em animais selvagens

Já foram identificados por especialistas brasileiros alguns vírus em animais selvagens, como pássaros e morcegos, que pontualmente infectaram pessoas.

“O que pode acontecer é um evento em que a infecção acontece sem ser notada. Veja o que aconteceu com o vírus do zika, que no começo parecia uma dengue estranha, ou com o covid-19, uma doença que tem manifestações sem sintomas, e foram se espalhando silenciosamente”, lembrou Márcia Castro.

Para Mariana Vale, “o Brasil é capaz de controlar a desflorestação”. Ela lembrou que, entre 2005 e 2012, o país “reduziu em 70%” o desmatamento graças a políticas públicas que incluíam monitorização por satélite.

“O Brasil está indo novamente em contramão”, lamentou Márcia Castro. “Os modelos de desenvolvimento para a Amazônia são totalmente errados, focam-se na exploração, ignorando por completo a população, as necessidades e o conhecimento locais”, considerou.

A pesquisadora ressaltou ainda que, além dos indígenas, “vai sofrer o mundo, porque o que acontece na Amazônia afeta o regime climático muito para além da América do Sul”. (Com Thomson Reuters e Lusa, de Portugal)

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