Moro, Bolsonaro, Polícia Federal, Queiroz, Paulo Marinho… Tudo o que você precisa saber para entender a complicada crise política brasileira

Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, Marinho, que foi um dos mais próximos apoiadores de Bolsonaro na campanha de 2018 e se elegeu suplente na chapa de Flávio para o Senado, afirmou que o filho do presidente foi avisado com antecedência por um delegado da PF sobre a deflagração da Operação Furna da Onça.

A operação levou à prisão de diversos parlamentares do Estado do Rio em novembro de 2018 e atingiu Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu que a PF colha o depoimento do empresário Paulo Marinho no âmbito desse inquérito, o que deve ocorrer ainda nesta quarta-feira (20/05), na Superintendência da PF no Rio.

Também nos últimos dias, foi divulgado que Flávio Bolsonaro repassou R$ 500 mil do fundo público partidário ao advogado Victor Granado Alves, investigado no caso Queiroz.

Ao mesmo tempo, é aguardada a decisão do ministro Celso de Mello, do STF, a respeito da divulgação do vídeo da reunião ministerial realizada em 22 de abril, considerado peça-chave neste caso.

Na ocasião, segundo o ex-ministro da Justiça Sergio Moro, Bolsonaro tratou de mudanças na PF. Por enquanto, vieram a público dois trechos da reunião transcritos pela Advocacia Geral da União (AGU).

Em dez pontos, entenda os principais pontos desse caso e como eles se relacionam:

1. O que disse e quem é Paulo Marinho?

O empresário Paulo Marinho disse, em entrevista à Folha de S. Paulo, que Flávio Bolsonaro soube com antecedência que a Operação Furna da Onça, que atingiu Queiroz, seria deflagrada. Segundo o relato, Flávio foi avisado da existência dela entre o primeiro e o segundo turnos das eleições, por um delegado da Polícia Federal que era simpatizante da candidatura de Jair Bolsonaro.

O delegado-informante (cuja identidade ainda não veio a público) teria ainda aconselhado Flávio a demitir Queiroz e a filha dele, que trabalhava no gabinete do então deputado federal de Jair Bolsonaro em Brasília, e teria dito que a operação, então sigilosa, seria “segurada” para que ela não ocorresse no meio do segundo turno, prejudicando assim a candidatura de Bolsonaro.

Marinho foi um dos principais apoiadores da campanha presidencial de Bolsonaro e cedeu sua casa no Rio de Janeiro para a campanha. Também foi eleito suplente na chapa de Flávio para o Senado. Atualmente, ele é pré-candidato a prefeito do Rio pelo PSDB.

Após o relato de Marinho, a defesa de Victor Granado Alves, advogado e ex-assessor de Flávio, confirmou que ele compareceu à reunião de dezembro de 2018, no Rio, em que o filho de Bolsonaro teria relatado o vazamento a ele de informações de uma investigação sigilosa da Polícia Federal.

2. O que Flávio Bolsonaro respondeu sobre acusação de Marinho?

Em nota, o senador disse que as informações divulgadas por Marinho se tratavam de “invenção de alguém desesperado e sem votos”.

“É fácil entender esse tipo de ataque ao lembrar que ele, Paulo Marinho, tem interesse em me prejudicar, já que seria meu substituto no Senado. Ele sabe que jamais teria condições de ganhar nas urnas e tenta no tapetão.

E por que somente agora inventa isso, às vésperas das eleições municipais em que ele se coloca como pré-candidato do PSDB à Prefeitura do Rio, e não à época em que ele diz terem acontecido os fatos, dois anos atrás?”, diz na nota.

3. Caso Queiroz e a Operação Furna da Onça

Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro na Alerj e amigo de Jair Bolsonaro desde a década de 1980, passou a ser investigado em 2018 depois que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) identificou diversas transações suspeitas em sua movimentação bancária.

Segundo o órgão, Queiroz movimentou R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, valor que seria incompatível com seu patrimônio e ocupação, e recebeu transferências em sua conta de sete servidores que passaram pelo gabinete de Flávio.

A suspeita é de que Queiroz seria operador de um esquema de “rachadinha” (quando funcionários são coagidos a devolver parte do salário) no gabinete de Flávio na Assembleia.

Para os investigadores, Flávio é chefe de uma organização criminosa que atuou em seu gabinete na Alerj entre 2007 e 2018, e parte dos recursos movimentados no esquema foi lavada em uma franquia de loja de chocolates da qual ele é sócio.

Flávio é investigado sob suspeita de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Não há informações detalhadas sobre os próximos passos nem previsão de conclusão porque os processos correm sob sigilo.

O senador nega ter cometido qualquer ilegalidade no caso.

4. Como apareceu o nome de Gustavo Bebianno nessa crise?

Marinho citou o nome de Gustavo Bebianno, ex-ministro de Bolsonaro, em alguns pontos da entrevista. Em um deles, disse que Bebianno tinha um celular pelo qual “interagiu durante toda a campanha (de 2018) e a transição de governo com o capitão (Bolsonaro)” e mencionou que o aparelho estaria “com uma pessoa nos Estados Unidos”.

A declaração levantou suspeitas de que essas trocas de mensagens poderiam trazer novas informações sobre o suposto vazamento de informações a favor do senador Flávio Bolsonaro.

Bebianno, que era pré-candidato à prefeitura do Rio pelo PSDB, morreu de infarto em março de 2020.

Segundo a Folha de São Paulo, Bebianno já tinha revelado a amigos que um delegado da PF tinha vazado informações de investigações que envolviam Queiroz e o filho do presidente Jair Bolsonaro na época da campanha eleitoral.

No fim de 2019, em entrevista ao Uol, Bebianno disse que a investigação foi “brecada” para não atrapalhar a campanha e que falaria sobre esse tema “na hora certa”.

“Flávio era investigado já durante a campanha. A investigação foi brecada para não atrapalhar a campanha. (Wilson) Witzel não tinha sido eleito (para o governo do Rio), o MP já estava nisso antes da eleição, fazendo investigação focada em vários parlamentares. Flávio era um deles e a investigação foi brecada. Sobre isso vou falar na hora certa”, disse.

5. O que disse Moro e qual é o alvo do inquérito no Supremo?

Ao deixar o governo, o ex-ministro e ex-juiz Sergio Moro acusou o presidente Bolsonaro de tentar interferir na PF.

Depois disso, o procurador-geral da República, Augusto Aras, fez pedido de abertura de inquérito e o ministro Celso de Mello, do STF, autorizou o início do processo para investigar se Bolsonaro de fato tentou interferir na corporação para ter acesso a investigações em curso.

No dia 2 de maio, Moro prestou depoimento por mais de oito horas na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Ele disse que Bolsonaro pediu a ele, no começo de março deste ano, a troca do chefe da PF no Rio de Janeiro.

Moro disse que recebeu, pelo WhatsApp, a seguinte mensagem de Bolsonaro: “Moro, você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”.

O ex-ministro e ex-juiz disse também que não acusou Bolsonaro de ter cometido algum crime e que entende que essa avaliação quanto a prática de crime cabe às instituições competentes.

Horas antes da oitiva, Bolsonaro chamou o ex-auxiliar de “Judas” em um texto no Twitter que acompanha um vídeo sobre a tentativa de assassinato que ele sofreu durante as eleições de 2018.

6. O que há no vídeo da reunião ministerial nas mãos do Supremo?

Considerado peça-chave no caso, o vídeo da reunião ministerial realizada em 22 de abril ainda não veio a público. Na ocasião, Bolsonaro teria tratado de mudanças na PF, segundo Moro.

O ministro Celso de Mello ainda precisa decidir se vai autorizar a divulgação da íntegra do vídeo. Por enquanto, vieram a público apenas dois trechos da reunião transcritos pela Advocacia-Geral da União (AGU).

Na primeira fala, Bolsonaro afirma: “Eu não posso ser surpreendido com notícias. Pô. eu tenho a PF que não me dá informações; eu tenho as inteligências das Forças Armadas que não têm informações: a Abin tem os seus problemas, tem algumas informações, só não tem mais porque tá faltando realmente… temos problemas… aparelhamento, etc. A gente não pode viver sem informação.”

E complementa: “E não estamos tendo. E me desculpe o serviço de informação nosso — todos — é uma vergonha, uma vergonha, que eu não sou informado, e não dá para trabalhar assim, fica difícil. Por isso, vou interferir. Ponto final. Não é ameaça, não é extrapolação da minha parte. É uma verdade”.

Cinquenta minutos depois, segundo a AGU, Bolsonaro fez uma segunda declaração.

“Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f… minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar; se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira”, afirmou o presidente.

A AGU argumentou que Bolsonaro não menciona “direta ou indiretamente” os termos “Polícia Federal”, “superintendente” ou “diretor-geral”. A defesa diz que a ameaça de demissão de integrantes da “segurança nossa no Rio Janeiro” feita pelo presidente faz referência à segurança presidencial e de seus familiares, sob responsabilidade do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e não da PF.

7. O que disseram integrantes da PF em depoimentos

A informação que mais chamou atenção, nos últimos dias, sobre os depoimentos de integrantes da PF é relacionada ao novo diretor-executivo da Polícia Federal, Carlos Henrique Oliveira de Sousa. Ele fez um novo depoimento e mudou versão sobre troca no comando da superintendência no Rio.

Ele disse, segundo a TV Globo, que foi procurado em 27 de abril pelo diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, sobre a possibilidade de assumir o segundo posto na hierarquia da PF.

No primeiro depoimento, ele dissera que “ninguém” o havia procurado sobre assumir o cargo de diretor-executivo. Mas, conforme o relatório do novo depoimento, pediu para mudar a versão. E informou que Ramagem o procurou.

A coluna Painel, da Folha de S.Paulo, aponta que as novas declarações de Carlos Henrique Oliveira de Sousa indicam uma contradição nas versões de Alexandre Ramagem e Jair Bolsonaro no inquérito que apura as acusações feitas por Sergio Moro. O depoimento mais recente sugere que Ramagem ocultou dos investigadores que a troca do comando no Rio estava definida.

Antes de virar número dois da PF, Sousa era o superintendente no Rio. Em agosto de 2019, Ricardo Saadi foi substituído por Carlos Henrique Oliveira. Bolsonaro mencionou problemas de “gestão e produtividade”, mas a instituição negou problemas de desempenho da chefia.

Embora o superintendente da PF no Rio não tivesse ingerência sobre casos envolvendo a família Bolsonaro, houve uma avaliação de que Bolsonaro trocou o superintendente porque a atuação de Saadi estava em sintonia com autoridades que lidavam com o Caso Queiroz — que investiga também supostos elos entre milícias do Rio de Janeiro — no âmbito estadual, com o Ministério Público do Rio de Janeiro.

Em 2020, depois da saída de Moro do comando do Ministério da Justiça e de Maurício Valeixo da chefia da Polícia Federal, Bolsonaro nomeou Ramage, amigo de sua família, para comandar a PF.

A nomeação, foi suspensa por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que citou as alegações de Moro e afirmou que há indício de desvio de finalidade na escolha de Ramagem, “em inobservância aos princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e do interesse público”.

Cinco dias depois da suspensão, Bolsonaro nomeou o delegado Rolando Alexandre de Souza como novo diretor-geral da Polícia Federal.

Em depoimento em 11 de maio, Valeixo disse que Bolsonaro teria afirmado, por telefone, que não tinha “nada contra a sua pessoa”, mas que queria alguém no comando da PF com quem tivesse “mais afinidade”. Afirmou, ainda, que não existiram interferências no trabalho da polícia enquanto Moro ocupou o posto de ministro da Justiça e Segurança Pública.

Já Ramagem, também em depoimento, afirmou que tem respeito e apreço da família Bolsonaro pelos trabalhos realizados e pela confiança do presidente da República no trabalho dele, mas disse que não tem “intimidade pessoal”. Afirmou, ainda, que foi consultado pelo presidente a respeito da indicação de Rolando Alexandre de Souza, novo diretor-geral da PF.

Ele se tornou próximo de Bolsonaro na campanha de 2018, quando foi destacado pela PF para coordenar a segurança do candidato após ele ter sido alvo de uma facada em setembro e quase morrer. Assim, ganhou proximidade com a família presidencial, tendo passado a virada de 2018 para 2019 em uma festa de Ano Novo com o vereador Carlos Bolsonaro.

8. O que disseram ministros de Bolsonaro em depoimento à PF

Os ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria da Presidência) e Braga Netto (Casa Civil) também prestaram depoimento no âmbito do inquérito aberto para apurar as supostas tentativas de interferência na PF.

Eles afirmaram, segundo divulgado pela imprensa, que Bolsonaro não tinha como objetivo interferir na Polícia Federal.

Braga Netto disse que as declarações do presidente na reunião ministerial de que era preciso trocar a “segurança” do Rio faziam referência à segurança pessoal dele.

9. O que o pagamento de R$ 500 mil do fundo partidário a advogado tem a ver com o caso?

Nesta terça-feira (19), a Folha revelou que Flávio Bolsonaro repassou R$ 500 mil do fundo público partidário ao advogado Victor Granado Alves, investigado no caso Queiroz.

A pedido de Flávio, segundo a reportagem, o PSL nacional contratou em fevereiro de 2019 o escritório de advocacia de Granado Alves, ex-assessor que hoje tem o nome envolvido no suposto vazamento de informações da Polícia Federal em benefício da família do presidente da República. Foram 13 meses e meio de contrato, com custo aos cofres públicos de ao menos R$ 500 mil.

O advogado foi citado por Paulo Marinho como um dos assessores do senador que teriam recebido de um delegado da Polícia Federal a informação de uma operação envolvendo pessoas do gabinete de Flávio.

Granado Alves foi funcionário do gabinete de Flávio na época em que Queiroz teria operacionalizado o esquema de “rachadinhas” e o relatório do Coaf também cita movimentações atípicas do advogado.

10. O que pode acontecer ao fim do inquérito?

Quando estiver encerrada a fase de coleta de evidências e depoimentos no âmbito do inquérito, cabe ao procurador-geral da República, Augusto Aras, decidir se denunciará ou não Bolsonaro ou alguma outra pessoa.

Segundo o pedido de abertura de inquérito da PGR, Bolsonaro pode ter cometido, em tese, os crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça e corrupção passiva privilegiada. Já Moro, segundo Aras, pode ter incorrido em crimes contra a honra e no crime de denunciação caluniosa, se as acusações dele contra Bolsonaro se mostrarem falsas.

Se o presidente for efetivamente denunciado, caberá à Câmara dos Deputados decidir se ele será ou não investigado durante o mandato. Para que a investigação prossiga, são necessários os votos de 342 dos 513 deputados. Uma vez aceita a denúncia pela Câmara, o presidente é afastado do cargo durante seis meses — 180 dias — para que o Supremo possa concluir as investigações e dar uma decisão.

BBC Brasil

 

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