Intolerância nos debates públicos no Brasil

A modernidade líquida propiciou o esfacelamento da solidez das relações sociais, quebrantando as instituições e, por consequência, os demais instrumentos de controle social, além do Direito. A outrora eficácia da Moral, da Ética, das Regras de Trato Social e as regras informais que fortaleciam as instituições já não mais são respeitadas.

Tal fato reverbera na ágora democrática, visto que a intolerância nos debates atinge tanto a esfera privada quanto a pública. Vale lembrar que elas se interpenetram, visto que a intolerância na esfera privada influencia a pública e vice-versa, ainda mais quando o foro de debate deixa de ser localizado e territorializado e passa para as redes sociais.

Intolerância é a formação do prefixo “in” (negação) com a palavra latina “tolerantia”, a qual significa capacidade de resistir, de aguentar ou de tolerar. Logo, intolerância é a falta da capacidade de resistir, de aguentar, de tolerar o outro, isto é, a discordância não democrática, já que emblemática e nefasta que leva à falta de respeito com o diferente.

Pensamentos e ideias políticas, religiosas, culturais e econômicas se transformaram em uma verdadeira guerra polarizada que destrói a capacidade de resistir, até porque o outro passa a ser inimigo e o objetivo, assim como no famoso jogo War, passa a ser destruir os “exércitos azuis ou vermelhos”.

Neste contexto, o debate público fica raso, o que causa diversos efeitos como o desvio do foro de debate (das casas legislativas, dos movimentos sociais e culturais, para o meio digital), da comunicação falha, do mundo das fake News e junk News**, do descompromisso com a noticia e a informação, do excesso de argumentos de autoridade e, principalmente, da perda do meio-termo, ou seja, a perda da virtude, pois, como diria Aristóteles, a virtude está no meio termo.

A consequência disso é a busca incessante por um inimigo a ser combatido e rotulado (o evangélico, o católico, o protestante, o afrodescendente, o militante de determinado partido político, etc.), mas como aliado no combate se usa não só as instituições como também o Direito com forte apoio no patrimonialismo, no homem cordial e na legislação álibi, o que propicia desiquilíbrio institucional e democrático, pois não existe vácuo de poder.

Vivemos uma esquizofrenia legislativa com um excesso de leis, decretos e normas, quebra da repartição de competências fomentando uma cultura da litigiosidade, já que na “guerra” vale tudo.

O problema é que, na expressão popular, “o tiro sai pela culatra”, tendo em vista que surgem diversos problemas como a falta de confiança nas instituições (basta olhar para as pesquisas populares e seus resultados sobre o que acham dos três Poderes), o enfraquecimento do Poder Legislativo como representante da vontade popular, o ativismo judicial  e a judicialização da politica (o conflito é importante para justificar ações), a governança do país por decretos e medidas provisórias e a perda do poder político-institucional e do diálogo.

Vivemos uma guerra institucional que prejudica o debate público e quem sofre é o cidadão, o principal destinatário das políticas públicas. E qual seria a solução para todos esses problemas?  Solução para isso seria uma pretensão hercúlea e sonhadora, mas se pode minorar suas consequências.

Em primeiro lugar, com a diminuição do excesso de leis e decretos, já que leis em sentido lato geram conflitos, isto é, legislar somente o necessário e com eficácia, ou seja, ter responsabilidade legislativa e não utilizar a força do Direito como guerra contra o outro lado.

Em segundo lugar, resgatar os demais instrumentos de controle social supramencionados (ética, moral, regras de trato social) e fortalecer as instituições. Todavia, tal fortalecimento se dá não com propagandas em redes sociais, mas com ações efetivas na busca do interesse público primário. Em terceiro, propor uma política fraterna, que consiste no respeito ao adversário.

Por fim, diminuir a polarização e focar o debate nos seus aspectos reais, técnicos e econômicos e não desfocar as discussões para atos de fé ou cor, já que todos somos iguais em direitos e deveres. Pensar diferente faz parte do jogo democrático (a unanimidade é burra).

Se tivermos igual respeito e consideração, como afirma Dworkin, na atuação dos três poderes há reforço do espírito republicano melhorando a qualidade do debate na esfera pública e, com efeito, na esfera privada.

Mas não é só isso, é preciso que se reforce a noção de auto responsabilidade, a democracia participativa, a adequação do discurso oficial ao real , a educação para a cidadania, o incentivo e a cultura do compartilhamento do direito à  informação verídica, a oposição responsável, a aceitação da derrota, o respeito às minorias, mas também às maiorias sem a utilização do poder como vingança.

E como? Transparência nas ações, impessoalidade institucional, incentivo do sentimento de pertencimento à comunidade e uma mudança de paradigma da incapacidade, para a capacidade de resistir, de aguentar o outro, o diferente, o oposto. Do contrário, a democracia irá morrer. Precisamos perceber os maléficos efeitos da intolerância e agir rapidamente.

Como aduz Melani Feldmann: “(…) nos fazem perceber que o fim da origem do vilão é o princípio do nascimento do herói. Esse Estado de Exceção que viola direitos fundamentais em “prol de uma causa maior” ilustra uma impostora artesania de valores, ludibriando os bobos da corte no limite da excelência. Reflexões difíceis sobre questões complexas, buscaremos a glória ou nos contentaremos com a perdição?”

Parafraseando a autora supra, continuemos feito bobos da corte na perdição da intolerância nos debates públicos e privados ou pregamos uma fraternidade política e institucional com resgate às regras formais e informais do regime que ainda entendemos melhor para a cidadania, qual seja a Democracia.

Congresso em Foco

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