Igrejas criticam restrições e pressionam até por doações do auxílio

Igrejas passam momentos de dificuldade financeira.
Crédito: Reprodução

Em um vídeo publicado em março no YouTube, o bispo da Universal Renato Cardoso, genro de Edir Macedo, aparece pedindo contribuições para cobrir os custos da igreja, afetada pelo sumiço de fiéis durante restrições impostas pela pandemia da Covid-19.

Com a pergunta “vocês preferem o auxílio emergencial ou o auxílio providencial?”, o bispo estimula a doação do benefício concedido pelo governo para aqueles que perderam renda. Terceiro na hierarquia, Cardoso comanda a Universal no Brasil.

No vídeo, ele diz que não será possível devolver as ofertas, mas elas se multiplicarão da mesma forma como narrada no episódio bíblico em que Jesus Cristo fez proliferar pães e peixes durante uma peregrinação com milhares de seguidores no deserto.

“Aqui, dentro desse cesto [colocado no centro do púlpito do Templo de Salomão, sede da Universal, em São Paulo] está a sua palavra. A sua palavra não mudou. O que o Senhor fez no passado, faz hoje, e multiplica para todos aqueles que confiarem em ti [sic]”, diz.

“Eu quero ouvir testemunhos, meu Pai, nesta semana ainda, de pessoas que colocaram no cesto o seu pão e peixe, a sua oferta, o seu desafio de fé, e o Senhor multiplicou.”

Cardoso afirma que, mesmo para aqueles que estão sem emprego ou renda, ocorrerá um milagre caso depositem o que têm no cesto.

Na oração, o bispo menciona a situação de fiéis que não podem trabalhar. “Meu Deus, eu não posso trabalhar, minha renda foi cortada pelo governador”, diz, em crítica aos chefes de Executivo que decretaram medidas restritivas.

Um pouco antes dessa passagem, ele menciona que o governo mandou fechar os templos e cessar cultos, mas que não iria ajudá-los a pagar as contas.

Logo em seguida, pede aos fiéis que paguem o dízimo — algo que, segundo ele, tinha sido prometido na semana anterior — e se preparem para fazer doações a partir daquele culto.

O cesto, com uma Bíblia no fundo, foi uma das ideias para manter a frequência nas igrejas e, assim, abrir caminho para o recebimento de doações fora do horário de cerimônias, que, em muitos casos, foram suspensas por causa da pandemia.

Igrejas que apoiam Jair Bolsonaro pregam o fim da política de distanciamento imposta pelos governadores para resolver o problema da crise financeira, que, segundo seus dirigentes, ameaça a sobrevivência dos templos.

Nas redes sociais, pastores da Universal, da Igreja Internacional da Graça de Deus (fundada pelo missionário RR Soares) e da Associação Vitória em Cristo (de Silas Malafaia) pregam contra o distanciamento social, pedem dízimos, defendem o tratamento precoce contra a Covid com base na cloroquina e ivermectina (ambas sem eficácia comprovada), e contestam o efeito das vacinas.

Para aqueles que se contaminaram, orações e bênçãos enviadas a distância prometem a cura da moléstia. Apesar das críticas dos pastores, os templos não ficaram desamparados na pandemia. No decreto que instituiu o estado de calamidade pública, Bolsonaro incluiu as igrejas como atividade essencial.

Nos estados, no entanto, governadores impuseram restrições de funcionamento e até proibiram os cultos. Diferentemente do que afirmou o pastor da Universal, o governo também encontrou uma forma de ajudar financeiramente as entidades religiosas.

Durante a votação do Orçamento, o governo concordou em conceder perdão de dívidas tributárias —como contribuições previdenciárias, PIS e Cofins— que totalizaram R$ 1 bilhão, segundo um cálculo do ano passado feito pelo Ministério da Economia ao Congresso.

Bolsonaro, no entanto, não pode assumir oficialmente a autoria do benefício. Na ocasião, afirmou que teria de vetá-lo alegando que poderia passar por um processo de impeachment, por desrespeito à LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e também à LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). No entanto, pediu ao Congresso que derrubasse o veto.

Na Câmara, os vetos foram derrubados em uma votação em bloco com outros dispositivos que faziam parte de um acordo, como itens do pacote anticrime, da Lei de Falências e da LDO.

A proposta que beneficiou as entidades religiosas foi de autoria do deputado David Soares (DEM-SP) e inserida em um projeto de lei sobre a resolução de litígios com a União. Ele é filho do pastor RR Soares, fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus, uma das devedoras.

Esse dinheiro poderia ajudar a reforçar o caixa da União, que, até o momento, já viu sair cerca de R$ 600 bilhões para tentar amenizar os impactos da pandemia na economia e na saúde.

Resultado do arrocho orçamentário, o governo resistiu em liberar uma nova rodada do auxílio emergencial e, quando soltou, reduziu o valor de R$ 600 para parcelas que variam de R$ 150 a R$ 375, dependendo da situação familiar de cada beneficiário.

Em um dos programas da igreja de RR Soares, o pastor Rogerio Postirgo aparece lançando uma bênção pela TV para aqueles que sofrem com doenças. Na sequência, passa a palavra a assistentes que recebem telefonemas e mensagens por email relatando milagres de cura.

A Covid ganhou espaço nobre no programa, o SOS da Fé. Segundo o pastor, até o fim de março, quase 35 mil fiéis contaminados tinham sido curados pelas bênçãos dos pastores.

Já Silas Malafaia, da Associação Vitória em Cristo, se posiciona nas redes sociais contra o distanciamento social, prática que se repete nos cultos da igreja desde o fim do ano passado.

No culto da virada do ano, em dezembro passado, o pastor Geziel Lima usou uma passagem do profeta bíblico Eliseu para conclamar os fiéis a não serem frouxos ou covardes.

No vídeo, ele afirmou que as notícias catastróficas sobre a segunda onda do coronavírus eram inventadas. Disse ainda que uma das intenções das narrativas exageradas sobre a pandemia era criar hospitais de campanha “para roubar dinheiro”. Pediu para os obreiros —ajudantes do culto— hastearem uma bandeira do Brasil.

Terminou orando, repreendeu o “espírito da enfermidade” e citou uma passagem bíblica em que, para “quem pedir humildemente, Deus irá sanar a terra”. (Folha de S.Paulo)

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