Era o segundo domingo de outubro do ano de 2016, dia 9. A data mais esperada do ano para milhões de paraenses que tomam as ruas de Belém, desde cedo, para celebrar Nossa Senhora de Nazaré. Naquele dia, acordei mais tarde do que deveria. Às 7h. A procissão já estava na rua e eu precisava alcançá-la. Prestes a sair de casa, ouço gritos na calçada em frente a minha casa, chamando pelo meu nome. Era um amigo de infância, que aqui vou chamar por A.C.R. Estava com o rosto desfigurado e lavado de sangue a ponto de eu demorar a reconhecê-lo. Quando tomei ciência do que se tratava corri ao portão e abri a porta de casa.
Ele havia corrido a distância de dois quarteirões para chegar até a minha casa e ser socorrido. Tinha sido agredido por um grupo de mais de cinco homens. A.C.R. estava a caminho da procissão quando foi assaltado e agredido aos gritos de “viadinho”, “bicha” e outros insultos desse mesmo nível. Tomamos o primeiro táxi que passou na rua e fomos para um hospital particular, na Avenida Visconde de Souza Franco, a Doca, no bairro do Reduto, em Belém. Fiquei por lá até que a mãe dele chegasse e depois fui para o Círio, trabalhar. Foi o contato mais próximo que tive com a homofobia, que quase 3 anos depois desse episódio foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal como crime. Por 8 votos a 3, o STF determinou que a conduta passe a ser punida pela Lei de Racismo.
A cena do rosto desfigurado do meu amigo voltou mais forte à lembrança no domingo, 22, quando soube que no sábado anterior fora registrado no Mormaço, uma conhecida casa de shows da noite belenense, mais um caso de homofobia. Segundo relatos de um dos três meninos agredidos, a situação que culminou na agressão, teria começado quando uma menina do grupo de amigos teria dado dois passos para fora do Mormaço com uma garrafa de bebida na mão e foi impedida de retornar porque os seguranças alegaram que ela teria comprado a bebida fora da casa. Foi quando a discussão subiu o tom. Um dos meninos agredidos passou a falar mais alto com o segurança, o namorado dele pediu calma. Foi quando um dos seguranças teria dito: “são viados, vamos resolver lá fora”. Os meninos foram levados para o lado de fora da casa e foram agredidos próximos ao Mangal das Garças, importante ponto turístico da cidade. De acordo com as vítimas, um boletim de ocorrência foi registrado na Delegacia de São Brás.
O Sindicato dos Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares do Pará não tem uma política permanente de orientação dos estabelecimentos, mas sempre que uma nova lei é aprovada faz circular entre os associados a fim de que se evitem problemas de ordem jurídica, como foi o caso da lei que criminalizou a homofobia. Sobre o Mormaço, SBHR informou que o estabelecimento não é sindicalizado.
#LGBTIFOBIA
O advogado João Jorge Neto, Presidente da Comissão de Diversidade Sexual e População LGBTI da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Pará, explicou que a LGBTIfobia não ocorre, somente, quando há agressão física. “Pode ser LGBTIfobia também por privação de acesso a determinados locais, o próprio acesso à políticas públicas. O STF recentemente reafirmou a importância de não se excluir a população LGBTI das políticas públicas, até porque é dever do estado garantir o acesso a todos, então, negar o acesso a alguma vaga por esse motivo, dentre tantos outros, os próprios serviços públicos, você discriminar, não respeitar o nome social. Tudo isso pode ser enquadrado dentro da lei”.
Em entrevista à Conexão AMZ, o advogado também disse que “antigamente, existia essa dificuldade em relação a investigação porque não existia essa lei como parâmetro, mas hoje, a gente já tem a 7716, equiparado ao crime de racismo e, sem dúvida, ampara todas as situações lá previstas, inclusive a própria violência, que seria a materialização dessa discriminação”. A pena para quem for condenado no crime de homofobia varia de 1 a 5 anos, dependendo do caso, agravantes e crimes associados.
Felizmente, em nenhum dos casos citados na reportagem foi registrada morte. Mas nem todos têm a mesma sorte. A Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social do Pará, a Segup, informou que no ano de 2017, entre os crimes homofóbicos registrados no estado, 10 foram homicídios.
Em 2018, de janeiro a agosto, 67 crimes homofóbicos foram registrados no Pará. Destes, 8 foram assassinatos. Já em 2019, ainda de acordo com a Segup, 50 casos de homofobia foram computados no estado. Destes, 4 foram homicídios. As demais ocorrências são por difamação, ameaça, lesão corporal, entre outros.
A pergunta que nos fazemos é: até quando esses crimes vão continuar ocorrendo?
Gabriel Pinheiro | Conexão AMZ