Caso Joseane ‘escancara’ problemas na rede de proteção à mulher em Marabá

À esquerda, Joseane está sendo acompanhada pela irmã Verônica em abrigo de Marabá.

(Pedro Souza)

Os assuntos que serão abordados, a seguir, não possuem a intenção de criticar pessoas, entidades, agentes públicos ou órgãos nem viés político partidário. Eles possuem como objetivo único, contribuir para aperfeiçoar a rede de proteção à mulher em Marabá composta por 37 órgãos, entidades e instituições. Durante seis dias, ligações, visitas, revolta  e muita conversa nos permitiram formular uma visão externa da rede de proteção à mulher em Marabá.

Os episódios relatam a visão processual da Redação do Portal Debate Carajás, ao ‘passar o maior sufoco’, após a publicação de uma matéria, no dia 26/12/2020, onde foi exposto o relacionamento abusivo, agressivo e torturador, vivido por Joseane Paixão, 33 anos, na cidade de São João do Araguaia, no sudeste do Pará.

A vítima era espancada e ameaçada de morte pelo ‘companheiro’ Carlos Antônio Siqueira Silva, 42 anos, vulgo “Bimba”. Um sujeito ciumento, cachaceiro e ameaçador. Assim que a matéria intitulada “Torturada, espancada, grávida e ameaçada de morte, esposa não consegue registrar boletim de ocorrência no sudeste do Pará”, foi publicada,  percebeu-se o ‘silêncio’ da maioria dos órgãos que compõe a rede de proteção à mulher em Marabá, no sudeste do Pará.

Como diz o ditado popular, “Se calados eles estavam, calados ficaram”. Vamos aos fatos. No feriadão de Natal, Joseane foi arrastada pelos cabelos, ameaçada de morte e esmurrada, por “Bimba”, após a vítima se esconder embaixo de uma cama na casa de uma vizinha. Por sorte, com ajuda da proprietária do imóvel e amigos, a gestante conseguiu escapar e abrigou-se em um esconderijo para fugir da sanha do cachaceiro violento.

A publicação da matéria despertou ainda mais a fúria de “Bimba” e do irmão “Cabeludo” que passaram a enviar áudios com ameaças de morte para Joseane Paixão e a irmã Verônica Paixão. Sem conseguirem proteção em São João do Araguaia, as duas pediram apoio para a ativista dos direitos da mulher, Cristiane Gomes de Souza, que acionou o Portal Debate Carajás no sentido de resgatar Joseane.

Neste momento, ao tomar conhecimento do teor da reportagem, o ativista dos Direitos Humanos, Noé Lima, acionou o delegado Alberto Teixeira, titular da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh). O Secretário, por sua vez, estabeleceu contato com a Polícia Civil, Polícia Militar e ParáPaz relatando a necessidade de se resgatar Joseane com urgência. No entanto, até este momento do enredo, não houve nenhuma manifestação pública nem oferta de apoio por parte do Conselho da Mulher, Coordenadoria da Mulher e Secretaria de Assistência Social, Proteção e Assuntos Comunitários (Seaspac) nem de outros 34 integrantes da rede proteção à mulher em Marabá.

A essa altura dos acontecimentos, o delegado Vinícius Cardoso, titular da 21ª Seccional Urbana, solicitou que o delegado Jailson Lucena, responsável pela delegacia de Polícia Civil de São João do Araguaia conduzisse Joseane para Marabá. De imediato, uma equipe da Delegacia Especializada no Atendimento a Mulher (DEAM) cumpriu a missão e entregou a vítima para o abrigo do governo do estado do Pará. Se houve ajuda do COMDIM, ParáPaz, Coordenadoria da Mulher, entre outros, ninguém teve conhecimento dessa articulação.

No sábado (27), após a retirada de Joseane de São João do Araguaia, “Bimba” e “Cabeludo” começaram a vomitar impropérios e ameaças de morte para Verônica Paixão. No início da noite de domingo (28), com medo de ser assassinada e revoltada com a conduta de alguns policiais, Verônica pediu ajuda para sair da cidade. Neste momento, Cristiane Gomes solicitou apoio para o Conselho de Defesa dos Direitos da Mulher de Marabá (Comdim), como resposta, recebeu apenas o ‘silêncio’, pois nada de concreto foi resolvido.

Houve uma clara sensação de insensibilidade, desumanidade e compromisso com as mulheres, pois o fato era gravíssimo e urgente. Resultado, por volta de 22h30, Verônica estava escondida em Marabá, porém fora resgatada por uma viatura do 4º Batalhão de Polícia Militar, Cristiane Gomes e um carro particular do Portal Debate Carajás. Como a situação já era de conhecimento de todos, a rede de proteção da mulher já deveria estar à frente do caso, não mais as ‘pessoas de fora’, pois a repercussão já era enorme.

No entanto, no início da tarde de segunda-feira (28), entrevistas concedidas sobre o caso Joseane, por integrantes do Fórum de Mulheres e Conselho Municipal dos Diretos da Mulher, como se estivessem atuando no caso, provocaram revolta em quem vinha ‘arregaçando as mangas’ para assegurar um pouco dos direitos previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, pois a família é carente e precisa de todos os tipos de ajuda.

Mesmo com a repercussão gigantesca, com exceção da equipe de resgate da DEAM, acolhimento pelo pessoal de serviço do abrigo estadual e Polícia Militar, ninguém responsável pela segurança da mulher havia manifestado apoio para as irmãs em Marabá. Elas não receberam nenhuma visita e muito menos uma ligação de conforto, ou seja, as entidades civis de controle e acompanhamento não funcionaram neste caso. No entanto, hoje (31), as duas vítimas se encontram protegidas e bem de saúde.

Daí veio a seguinte pergunta: “Será que essa omissão está ocorrendo apenas no caso Joseane?” Para nossa tristeza, descobrimos que não. De acordo com relatos e depoimentos, as entidades de defesa da mulher não são eficientes em Marabá. “A rede de proteção à mulher cabe em uma folha de papel A4”, relata uma antiga conselheira. “Que rede de proteção é essa que não fica nenhuma mulher de plantão nos finais de semana e feriados?”, indaga outra militante.

Desculpas esfarrapadas e de menosprezo pela vida como “elas não são de Marabá”, “preciso de autorização judicial” e “não sou eu que libero o carro”, entre várias outras, foram utilizadas em vários momentos para o indivíduo “se ver livre da bomba”, expressão utilizada, para o agente público poder continuar a gozar o “recessozão” de fim de ano. Na manhã de terça-feira (29), Verônica teve que ser conduzida para a 21ª Seccional Urbana para prestar depoimento, todavia, ‘de novo’, nenhuma ligação e nenhum carro de conselhos para fazer o transporte da vítima mesmo com várias solicitações.

Já no período da tarde do dia 29, após as polícias Militar e Civil ‘passarem a mão’ em “Cabeludo”, no dia anterior, e “Bimba” desaparecer de São João do Araguaia, Verônica decidiu retornar para casa. O Portal Debate Carajás solicitou novamente um veículo para conduzir a vítima, mas a presidência do COMDIM disse que não possuía autonomia sobre o veículo do Conselho e encontrava-se no estado do Maranhão. Várias outras conselheiras não atenderam nem retornaram as ligações, ou seja, não existe uma escala de plantão no Conselho ou Coordenadoria da Mulher de Marabá para atuar em casos emergenciais.

A  Seaspac de Marabá alegou que foi orientada pela Procuradoria Geral do Município de Marabá (Progem) a não ceder nenhum automóvel, alegando vários motivos, entre eles a extrapolação do limite territorial e risco de vida do condutor do veículo. A Secretaria conseguiu um motorista de São João do Araguaia para fazer o transporte, porém o cara exigiu uma ordem judicial. Para resolver o problema, o Portal Debate Carajás abasteceu a moto do esposo de Cristiane Gomes e ele conduziu a vítima até a cidade onde ela mora, na garupa de uma Honda Biz, sem nenhum medo ou problemas.

Diante de todos os acontecimentos narrados, percebe-se diversos artifícios, esquivas, má vontade e falta de compromissos para salvar a vida de uma mulher. Depois de tanto problema e enrolação, sente-se a necessidade de se transformar a rede de proteção à mulher em uma política pública de estado não de município. Essa medida impediria a omissão do estado e municípios para resolver um caso como o de Joseane e Verônica.

Assim como o aluno pode estudar em qualquer escola pública do Brasil e o paciente pode utilizar qualquer hospital público ou conveniado com o Sistema Único de Saúde (SUS) para se tratar, os serviços de proteção à mulher deveriam ser da mesma forma. Se não são, que se comecem as lutas para tornar esse atendimento de maneira universal, pois a vida de uma mãe de família não pode ser jogada fora.

Em caráter reservado, conselheiros veem como uma burocracia desnecessária a vinculação dos veículos do Conselho e Coordenadoria da Mulher à Secretaria de Assistência Social de Marabá. “O carro só é liberado com autorização da Secretária”, relatam. Durante uma emergência, uma vida passa a correr risco por causa de entraves administrativos. Como ocorreu na terça-feira (29). A Seaspac negou a existência desse procedimento burocrático.

Um conselheiro da mulher ou integrante de coordenadoria possuem CPF, logo poderão ser responsabilizados pelo uso inadequado de um veículo do órgão, assim como se responsabiliza um vereador ou prefeito. Fazer uma mulher correr riscos de ser morta por causa de uns míseros litros de gasolina, parece a nós, reles mortais, um preciosismo fora de uma realidade onde várias mães de família estão sendo mortas todos os dias Brasil afora.

A DEAM de Marabá necessita está melhor aparelhada, pois não possui telefone. Se uma mulher está escondida, com medo de ser assassinada, e existisse um número para onde ela pudesse ligar e fazer a denúncia, seria bem mais fácil e seguro. Se ela já está escondida para não morrer, como vai pegar um ônibus ou mototáxis para fazer uma denúncia? Achamos que tem algo errado no atendimento da Delegacia da Mulher. Precisa ser mais eficiente, pois o sistema de plantão não funciona nos feriados, apenas nos finais de semana.

“Quem não pode com o pote, não pega na rodilha”

Se a pessoa se propõe a ocupar uma cadeira no Conselho de Defesa dos Direitos da Mulher de Marabá, ela precisa entender que existe muito trabalho para ser feito, portanto deverá se colocar sempre à disposição. Nos relatos coletados de vítimas, a falta de um representante do COMDIM em plantões durante os finais de semana e feriados deixa a maioria das vítimas de violência doméstica ‘a ver navios’.

Antes de me mandarem às favas e para o inferno, se é que ele existe, lembrem-se de que a reportagem possui um viés pedagógico, por isso “não foi dado nome aos bois”. Ela visa a contribuir para melhorar o serviço de proteção à mulher violentada de todas as formas em Marabá e e região, pois entendemos que, além de todos os problemas narrados, a famigerada política partidária está dando as cartas na maioria dos movimentos de mulheres na Terra de Francisco Coelho.

Essa interferência política é ruim e prejudica a própria mulher vítima de um marido insano. Para dizer que ‘não falamos das flores’, não foi vista nenhuma manifestação do Ministério Público(MPPA) nem do Poder Judiciário sobre o caso Joseane Paixão. Se houve, não tivemos contato com as manifestações de dois importantes órgãos de proteção à mulher vítima de violência doméstica. A matéria não citou os nomes de mais 31 integrantes de uma rede de proteção à mulher que praticamente não existe em Marabá.

Fonte: Portal Debate Carajás

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