Brasil em cima do muro

Ao mesmo tempo em que assinou a declaração do Conselho de Segurança da ONU contrária à invasão russa, o Brasil se recusou a apoiar uma moção da OEA no mesmo sentido, seguindo países como Nicarágua e Cuba
Foto: Reuters

A guerra da Ucrânia será “longa”, segundo o presidente da França, Emmanuel Macron, e o Brasil terá que tomar uma posição firme na medida que os países democráticos ocidentais vão assumindo cada vez mais a defesa da Ucrânia, enviando até mesmo armamentos.

Ao mesmo tempo em que assinou a declaração do Conselho de Segurança da ONU contrária à invasão russa, o Brasil se recusou a apoiar uma moção da OEA no mesmo sentido, seguindo países como Nicarágua e Cuba. A alegação técnica é que a Ucrânia não está nas Américas, o que é verdade, mas o apoio simbólico ao país invadido seria um gesto que refletiria a posição brasileira com mais firmeza, deixando de lado a sensação de equilibrismo numa situação que não admite rodeios.

Putin já afirmou que o fim da União Soviética foi a “desintegração da Rússia histórica”. A escalada de Putin, na tentativa de conquistar toda a Ucrânia, reflete seu pensamento geopolítico. Ele já declarara anteriormente que o fim da União Soviética foi “o maior desastre geopolítico do século 20″.  Segundo ele, 25 milhões de russos nos novos países independentes “de repente se sentiram desconectados da Rússia, uma grande tragédia humanitária”.

A anexação da Crimeia já resultara na expulsão do país do G-8 em 2014. A Rússia vem se afastando do Ocidente em diversos momentos históricos: na guerra da Síria; envenenamento de espiões no Reino Unido e a interferência nas eleições americanas, para ajudar Trump.

O historiador Éric Hobsbawn diz que a Rússia, no final do século 20, passou por dois momentos históricos de importância crucial para o mundo: depois de ter sido o primeiro país a fazer a passagem do capitalismo para o socialismo, trilhou o caminho inverso, e agora renasce como grande potência. Acompanhei o início dessa reviravolta, que relembrei aqui quando estive na Rússia na Copa do Mundo de futebol em 2018, uma jogada política que reforçou o poder de Putin.

Em 1991, fui fazer um curso na Universidade Stanford, na Califórnia, como bolsista da John S. Knight Fellowship. Meu projeto foi uma especialização em política internacional, e um dos módulos do curso era sobre a União Soviética. A primeira imagem que vi na televisão quando cheguei ao hotel em Palo Alto foi Boris Yeltsin em cima de um tanque, em frente à sede do parlamento, no centro de Moscou.

Os golpistas, comandados pelo vice-presidente Guennadi Yanayev, pelo chefe da KGB e pelo ministro da Defesa, anunciaram que Gorbachev estava “incapaz de assumir suas funções por motivos de saúde”, e decretaram o estado de emergência. Queriam acabar com a Perestroika (reconstrução) e a Glasnost (abertura), reformas que tiraram o poder do Partido Comunista.

No primeiro dia de aula, o professor Alexander Dallin, um dos mais respeitados especialistas em União Soviética, nos surpreendeu: durante aquele ano, o melhor era ler o New York Times todos os dias, e ver os noticiários da televisão, pois o curso acompanharia o dia a dia da crise da União Soviética através deles. Graças à ação de Yeltsin, o golpe fracassou e Gorbachev voltou ao poder, mas completamente fragilizado.

O poder real estava com Boris Yeltsin, de tendência populista, famoso por demitir membros do partido comunista por corrupção. Tornou-se o líder de oposição a Gorbachev. Eleito chefe do Soviet Supremo da Rússia, em 1990, levou o Congresso ao rompimento com a União Soviética, saindo do Partido Comunista em seguida. Um ano depois, venceu a eleição para presidente da Rússia com 57% dos votos, derrotando o candidato apoiado por Mikhail Gorbatchov.

Depois de declarar a independência da Rússia, baniu o Partido Comunista. Assinou com os presidentes da Bielorrúsia e da Ucrânia um pacto que dissolvia a União Soviética. Boris Yeltsin presidiu a Rússia até 1999, quando foi substituído por Putin, que desde então lidera uma democracia formal, mas com clara tendência autoritária.

Hoje, vemos em tempo real os acontecimentos na Ucrânia, sofremos com imagens ao vivo das tragédias da guerra. E assistimos a essa geléia geral que leva Bolsonaro e os partidos de esquerda a estarem favoráveis às agressões russas devido a uma obsessiva crítica aos Estados Unidos, por razões diversas. Bolsonaro, porque apoia Trump e considera Biden “de esquerda”. A esquerda porque torce pela derrota dos Estados Unidos, mesmo às custas de uma guerra insana. (Merval Pereira/O Globo)

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