Bolsonaro abraça o Centrão, isola os radicais e tenta sobrevivência política

Jair Bolsonaro - Foto: Isac Nóbrega / PR / CP

Os radicais patriotas como o guru Olavo de Carvalho, a militante Sara Giromini, os blogueiros Oswaldo Eustáquio, Allan dos Santos e o desocupado Renan da Silva Sena, levaram o chamado “pé na bunda” de Jair Bolsonaro (sem partido”), em um pouco mais de 2 anos de governo do outrora “capitão” que se intitulava um político diferente.

Bolsonaro atuou nas redes sociais sob influência do “gabinete do ódio”, comandado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos). Além disso, tentou frear denúncias envolvendo o primogênito, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos), alvo de inquérito que investiga um esquema de “rachadinha” à época em que ele era deputado estadual no Rio de Janeiro. O caso deverá ir a julgamento até o final de 2021.

Nas lives (transmissões ao vivo na internet), o presidente recorreu a discursos sob medida para apoiadores radicais. Mas, se por um lado não atendeu às expectativas do mercado e da opinião pública por outro, temas da pauta de costumes – como redução da maioridade penal, Escola Sem Partido e “banimento de marginais vermelhos” (esquerdistas) – só apareceram para manter a tropa unida em momentos de crise. Ataques a instituições democráticas com o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal (STF) virou moda.

Na economia, reformas desidratadas foram encaminhadas ao Congresso sem uma articulação política capaz de viabilizá-las. A simplificação de tributos e a isenção do Imposto de Renda para quem recebe até cinco salários nunca saíram do papel. Até mesmo a reforma previdenciária, aprovada no ano passado, foi arquitetada no governo de Michel Temer (MDB). Muita coisa foi aprovada na Câmara e no Senado devido ao engajamento do ex-presidente Rodrigo Maia (DEM) e Davi Alcolumbre (DEM) diante da inércia do governo.

O “choque liberal” delegado ao “super ministro da Economia”, Paulo Guedes, permanece estacionado e a agenda internacional, sob a batuta do chanceler Ernesto Araújo, é marcada por confrontos com potências como China, ataques à Venezuela e críticas a países europeus. Agora, com a derrota do aliado Donald Trump nos Estados Unidos e a vitória de Joe Biden, Bolsonaro terá de fazer mudanças na política externa.

Por último, a exoneração do economista Roberto da Cunha Castello Branco e a nomeação do general Joaquim Silva e Luna fez os investidores desconfiarem mais ainda da incompetência de Jair Bolsonaro.

As tentativas de privatização, por sua vez, só renderam baixas na equipe econômica. Nenhuma estatal foi privatizada. Em setembro, porém, Bolsonaro mais uma vez prometeu pôr empresas à venda. “Tudo aquilo que a iniciativa privada pode fazer, a gente pode abrir mão”, disse ele. Atualmente, há 46 empresas de controle direto da União, além de 152 subsidiárias. Uma delas criada pelo próprio Bolsonaro, a NAV Brasil.

Ao fazer o balanço do ano, na sexta-feira 18/12/2020, Guedes não se desviou da autocrítica. “Falei ‘em 15 semanas vamos mudar o Brasil’. Não mudou nada, teve a pandemia. Agora a mesma coisa. ‘(Eu disse): Vamos anunciar em 90 dias as privatizações’. Aí descubro que tem um acordo político para inviabilizar”, afirmou. Paulo Guedes, moralmente, já foi demitido. Só resta ao chamado estadista liberal apanhar o boné e “pegar o beco”, porque não manda mais em nada. Ele só precisa de uma saída honrosa.

Rombo

Zerar o déficit primário era um dos desafios do “Posto Ipiranga” apelido dado por Bolsonaro a Guedes, ainda antes da posse. A previsão, porém, é que o rombo alcance R$ 844 bilhões neste ano, por causa da pandemia. Em 2019, foram R$ 95 bilhões no vermelho. Há ceticismo generalizado sobre o que, de fato, a equipe econômica conseguirá entregar. Ela está indo de mal a pior. O país não cresce.

Sempre se esquivando de prejuízos políticos, o presidente não esboça empenho no andamento dessas pautas. “Bolsonaro não tem perfil reformista. Sabemos que reformas profundas são construídas tecnicamente, mas é essencial a liderança do presidente”, argumentou a consultora Zeina Latif, doutora em Economia pela USP. “No fundo, é a vontade do presidente em avançar que traduz o funcionamento do governo.”

Em conversa com eleitores, há dois meses, Bolsonaro foi parabenizado pela criação do Pix, a inovadora tecnologia lançada pelo Banco Central para agilizar transações bancárias. Respondeu no entanto, como se estivesse falando de assunto da aviação civil. Ao ouvir a explicação do apoiador sobre o que era o Pix, confessou desconhecer.

O episódio foi mais um exemplo de “desnorteamento”, na opinião do professor de Estratégia e Gestão Pública do Insper, Sandro Cabral. “Além da falta de rumo, há um completo despreparo para formatar conteúdos e para negociar com ‘stakeholders’, como políticos, órgãos de controle, Judiciário e Ministério Público”, observou. “Não podemos dissociar a política da administração: andam de mãos dadas”.

Saúde

A desconexão entre as promessas do governo e a gestão também vão além da economia. O presidente Jair Bolsonaro tem se afastado da maneira como prometeu lidar com o que chamava de “velha política”. Hoje, ele estende a mão para a mesma ala que quer aumentar gastos públicos e não se constrange ao se aliar a líderes do Centrão, como o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), eleito presidente da Câmara com apoio escancarado de Bolsonaro.

Na avaliação do Palácio do Planalto, investir na candidatura de Lira para comandar a Câmara de 2021 a 2022 significa poupar Bolsonaro de eventuais processos de impeachment. Para ter alguém de sua confiança na Câmara, o presidente recorreu ao modelo do toma lá dá cá que sempre criticou, com oferta de cargos e emendas em troca de apoio. Estima-se um gasto de mais de 3 bilhões em emenda parlamentar para eleger Lira.

A ineficiência do Executivo muitas vezes passa despercebida diante das polêmicas ideológicas. Com a média de um ministro por semestre, o Ministério da Educação, por exemplo, ficou fora de uma das mais importantes discussões desse biênio: a renovação do Fundeb, principal fonte de financiamento da educação básica. O radical “olavista” Abraham Weintraub arrebentou com a política educacional do Brasil.

O governo agiu para desconstruir a proposta e o Congresso avocou o tema para si. “Ninguém estava esperando um MEC progressista, mas que no mínimo olhasse para as questões essenciais ao desenvolvimento, e não para temas irrelevantes”, afirmou Rafael Parente, PhD em Educação pela Universidade de Nova York. Weintraub fugiu do Brasil porque ficou com medo de ser preso, após destilar um caminhão de baixarias e agressões verbais contra os integrantes do STF no final de 2020.

A Saúde era uma das poucas áreas para as quais o plano de governo de Bolsonaro trazia propostas concretas, como prontuário eletrônico interligado, credenciamento universal de médicos e dentista para gestantes no pré-natal. Tudo continua no papel. O governo Bolsonaro não consegue avançar em nenhuma frente. Uma incompetência generalizada que está matando os mais pobres e as minorias.

Desde o início da pandemia do coronavírus, que já matou mais de 246 mil pessoas, o Brasil teve três ministros. Dois deles (Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich) deixaram a pasta impedidos por Bolsonaro de agir conforme as diretrizes científicas. Por motivos mais ideológicos do que técnicos, o programa Mais Médicos foi desfigurado.

A alternativa, o Médicos pelo Brasil, não emplacou e a camada pobre da população “paga o pato”. O governo do cara não consegue comprar vacina para atender toda a população. O presidente está dando uma aula de má gestão durante a pandemia da “Gripezinha”.

No Meio Ambiente, o movimento para esvaziar os órgãos de proteção pôs em alerta até mesmo exportadores. “São dois anos de retrocesso”, avaliou Virgílio Viana, PhD por Harvard. Ele ressalvou, porém, que as possibilidades de avanço na política de carbono representam uma esperança. Nunca se desmatou e queimou as florestas da Amazônia Legal. Brigas bestas com Alemanha, França e Noruega levaram o Brasil a perder cerca de R$ 2,9 bilhões, o chamado Fundo Amazônia, que capta doações para projetos de preservação e fiscalização do bioma.

No campo da energia, Bolsonaro prometeu transformar o setor em “um dos principais vetores de crescimento” do País. O governo aposta suas fichas na usina nuclear de Angra 3, ainda inoperante. No entanto, a metralhadora de Bolsonaro está se voltando para o setor elétrico. Como não existe mais com quem brigar, o “capitão” decidiu criticar seu próprio governo para alimentar o discurso radical.

A prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), na noite de terça-feira (16), jogou uma “pá de cal” no que sobrou do bolsonarismo radical. Depois de publicar um vídeo com ataques ao STF, o deputado do ‘corpo bombado’, mas com o ‘cérebro atrofiado’ foi preso e Jair Messias “não disse um ai” em defesa do soldado. Resultado? O parlamentar radical teve a prisão mantida pelos próprios pares com um placar acachapante de 364 votos a favor e 130 votos contra na Câmara Federal.

Depois de Silveira perder a queda de braço com o STF, radicais como a deputada Bia Kicis (PSL-DF), deputada Carla Zambelli (PSL-SP) e deputada Janaina Paschoal (PSL-SP) “fecharam o bico”. Aqueles arroubos de agressões, xingamentos e outro monte de besteiras ditas em defesa do conservadorismo dos bolsonaristas desapareceram do mapa. “Está todo mundo caladinho”. “Será que é medo dos ministros do STF ou foi um “cala boca” do Centrão?

Pelo andar da carruagem, Bolsonaro não possui escrúpulos políticos. Ele está mais preocupado com sua distante reeleição. O amigo do peito, Queiroz, já foi jogado às traças há muito tempo. Com ele, foi o advogado e mago Frederick Wassef. O “super ministro”, ex-juiz Sérgio Moro, não leu a cartilha do presidente e também foi parar no olho da rua. E assim segue a velha máxima de Jair Bolsonaro: “Vão-se os anéis, mas ficam os dedos”. (Com Correio do Povo)

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