A última gota d’água

Interrupção no abastecimento de água em Marabá afeta mais de 80 mil unidades consumidoras há quatro dias. Ainda não há previsão de retorno
População de Marabá está sem água em casa por tempo indeterminado e tendo de recorrer a chafarizes pela cidade

MARABÁ (PA) — A falta d’água vivenciada por milhares de moradores de Marabá, no sudeste do Pará, desde o último domingo (19/2), em plena temporada de carnaval, é a combinação da falta de investimentos e ineficiência estatal, e reacende os debates sobre a privatização da Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa) como possível solução para os problemas enfrentados, há muitos anos, pela população.

Para se ter dimensão da grave crise que atinge Marabá pelo quarto dia seguido, a pane no transformador da Cosanpa provocou a interrupção total do fornecimento de água para os núcleos Nova Marabá e Cidade Nova — duas das principais áreas populacionais do município.

A situação causou indignação generalizada de quem depende do serviço — era de se esperar menos? —, que agora precisa enfrentar longas filas em chafarizes de escolas públicas e unidades básicas de saúde espalhadas pela cidade.

Em razão do colapso no fornecimento de água no município, a Secretaria Municipal de Educação (Semed) informou que 10 escolas da rede municipal de ensino terão as aulas suspensas nesta quinta-feira (23), por serem abastecidas exclusivamente pela Cosanpa.

Foto: Reprodução

Água sem previsão de retorno

Uma equipe da companhia levou o equipamento para passar por manutenção em uma retífica na Folha 16 — Nova Marabá —, mas apesar de ser possível recuperar o transformador, esse processo depende de múltiplas ações. Isto é, o caos absoluto no abastecimento de água da metrópole de Carajás — quarta maior cidade do Pará — segue sem qualquer previsão de terminar.

Em nota, divulgada nesta quarta-feira (22), a Cosanpa informou que segue com os serviços necessários para normalizar o abastecimento de água na cidade. “Uma força-tarefa foi montada e caminhões-pipa auxiliam a população durante esses dias de trabalho. Após a conclusão do serviço, o abastecimento retornará de forma gradativa,” afirma, sem dar — novamente — uma previsão de retorno.

Ainda de acordo com a companhia, foi um curto-circuito que danificou o transformador instalado na estação de captação e tratamento, de modo que a peça teve de ser removida para passar por reparos. Por outro lado, a assessoria de comunicação da Equatorial Energia informou que “a situação ocorreu por conta de um problema interno devido a interferência de um animal nas instalações elétricas da própria Cosanpa”.

O fato é que, enquanto se discute o que provocou o problema que acarretou na grave crise, quase nada se debate sobre soluções para esta e outras questões que afetam o saneamento estatal há anos.

Desestatização

Criada em 1970 como Cosanpa, substituindo o Departamento de Águas e Esgotos, a empresa ficou responsável pela expansão do sistema de abastecimento de água em todo o território paraense. Dividida em cinco regionais (Metropolitana, Baixo Amazonas, Nordeste, Ilhas e Tocantins), atende atualmente a 62 municípios no estado, incluindo Marabá.

Os precários serviços prestados pela Cosanpa são utilizados como principal argumento para a privatização da estatal. Para a maioria da população, que sofre as consequências negativas no tocante ao saneamento, a venda da companhia para a iniciativa privada representa a oportunidade de dias melhores.

Em contrapartida, os trabalhadores da estatal dizem que o processo de precarização estabeleceu-se de forma planejada pelo governo estadual, a fim de fortalecer a justificativa para concretizar a desestatização. Citam, por exemplo, que a presidência da Cosanpa sempre foi ocupada por indicação política, e nunca um servidor de carreira da estatal esteve à frente da gestão.

Foto: Agência Pará

Sem saúde financeira

A Cosanpa está na lista das 10 companhias públicas estaduais de saneamento do país que não cumprem os requisitos mínimos de saúde financeira exigidos pelo Novo Marco Legal do Saneamento, em vigor desde julho de 2020.

Pelas novas regras, essas companhias podem ter que ser privatizadas pelo governo de seu estado caso não cumpram os requisitos e não comprovem que têm capacidade de fazer os investimentos necessários para universalizar seus serviços de água e esgoto nos próximos anos.

A conta foi feita pela consultoria GO Associados, que analisou quantas das principais estatais do setor no país atendem a esses novos critérios definidos na nova lei. São recortes que verificam o nível de lucratividade, endividamento e geração de caixa da empresa e que, com isso, avaliam se, na maneira como está, a operação gera recursos suficientes para investir ou para ter crédito aprovado junto aos bancos públicos e privados.

Preliminar, o estudo da GO Associados analisou a situação econômica de 20 companhias estaduais, dentro do universo de 25 estados mais o Distrito Federal que possuem a sua empresa pública local de água e esgoto. Destas, dez, ou 39% do total, seriam reprovadas em pelo menos um dos quatro critérios de sustentabilidade financeira que foram definidos, o que indica que estão altamente endividadas ou que, por exemplo, têm despesas recorrentemente maior do que as receitas.

Nove delas estão em estados do Norte e do Nordeste. Além da Cosanpa, no Pará, tem a Caema, no Maranhão; a Caern, no Rio Grande do Norte; e a Cosama, no Amazonas.

Governador Helder Barbalho em reunião com novos diretores da Cosanpa

Governo sinaliza interesse na privatização

O governo Helder Barbalho, que prometeu em campanha não privatizar a Cosanpa, já sinaliza o interesse no contrário. Não é à toa que o novo presidente da companhia, já nomeado pelo governador este ano, seja o ex-secretário de Energia e Mineração, José Fernando Gomes Júnior, grande entusiasta da venda da estatal.

Aliás, a privatização da Cosanpa teria sido desenhada dentro da Sedeme e a missão da nova diretoria seria abrir caminho para a venda dela. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) bancaria a parceria com empresa privada.

A diretoria passada da Cosanpa, que era da cota do deputado federal José Priante, foi exonerada por Helder. Isso ocorreu após a queda de braço pelo Ministério das Cidades, que caiu no colo de Jader Filho. O caminho da privatização teria sido o assunto do ministro com os novos diretores da estatal. (Portal Debate)

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