A responsabilização criminal na divulgação de fake news durante a pandemia de covid-19

Problema corriqueiro no mundo, as fake news que são propagadas nas redes sociais podem ter efeito devastador, principalmente em um cenário de crise. Isso porque, ao contrário do ordinário, em períodos atribulados, se tomados pelo pânico, a própria cognição pode ficar prejudicada, nos levando a aceitar medidas que usualmente não seriam consideradas.

Notícias falsas sobre a Covid-19 já levaram a administração de substâncias sem a eficácia comprovada cientificamente; ao deslocamento em massa para supermercados e farmácias com a formação de aglomerações;  ao esgotamento de determinados produtos em supermercados; dentre outras ações prejudiciais e perigosas.

Atualmente inúmeros Projetos de Lei sobre o tema tramitam no Congresso Nacional, dentre as 02 (duas) casas, inclusive o PL 1258/20 que criminaliza  a divulgação de notícias falsas durante período de calamidade pública, estado de defesa, de sítio e intervenção. A apreciação da matéria é delicada, pois qualquer desvio pode incorrer risco à violação à liberdade de expressão e ao direito à informação.

A Lei nº 12.965/14, conhecida como  Marco Civil da Internet, elenca os fundamentos para o uso da internet, dentre os quais os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais e a finalidade social da rede (art. 2º).

Tal diploma referencia a responsabilidade civil em seu art. 18, quando assevera que “provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente”, resguardando-se, sobretudo, a liberdade de expressão.

No que concerne à responsabilidade criminal, constata-se legislação no campo penal-eleitoral. Sobre o tema destaca-se  a Lei 13.834/19, que incluiu o art. 326-A ao Código Eleitoral, cujo parágrafo 3º prevê a possibilidade de imputação à prática de crime de denunciação caluniosa àquele que comprovadamente, ciente da inocência do denunciado e com finalidade eleitoral, divulga ou propala, por qualquer meio ou forma, o ato ou fato que lhe foi falsamente atribuído.

Vale mencionar que se encontra em andamento a CPMI das fake news, instalada em 04/09/2018, com o objetivo de apurar os ataques virtuais com a utilização de perfis falsos durante as eleições de 2018.

De toda ordem,  a responsabilização criminal da disseminação de fake news de forma geral, que outrora era fundamentada pelo artigo 16 da Lei 5.250/67 – Lei de Imprensa (não recepcionada pela Constituição/1988), é realizada com base na norma geral do Código Penal, eis que ausente legislação especial que trata da matéria.

Tal fato não se mostra totalmente adequado, visto que as relações constituídas através da internet são muito diferentes das pessoais, podendo a regulamentação pelo Código Penal ser considerada um paliativo para que a sociedade não fique desprovida de guarida penal.

Transportando a problemática para o período atual, em que se vive uma crise sanitária por conta da pandemia da COVID-19, entende-se ser correto afirmar que, se, por exemplo, alguma substância foi administrada por indicação de notícia falsa e a vítima veio a óbito ou teve a saúde debilitada, o propagador da fake news poderá ser indiciado pelo tipo penal pertinente indicado no Código Penal.

O maior desafio é detectar o autor da notícia falsa, distinguir os crimes praticados por dolo daqueles praticados por culpa, quando o tipo penal admitir essa última e aferir a medida da responsabilidade de todos envolvidos na cadeia da fake news.

As principais violações realizadas através de cyberbullying são os crimes contra honra, que mais do que normalmente são desferidos contra gestores e pessoas públicas e encontram-se previstos nos artigos 138, 139 e 140 do CP.

Outro exemplo atual é a publicação de notícia falsa que leve à aglomerações, seja para obter suprimentos, remédios, auxílios financeiros. Nesse caso, aplicável o art. 132, CP, que tipifica a conduta de expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente.

O art. 41 da Lei de Contravenções Penais aduz que anunciar perigo inexistente ou praticar atos capazes de produzir pânico ou tumulto é fato típico, o que por óbvio abarca a enxurrada de informações inverídicas via web que noticiam cenários apocalípticos em virtude da pandemia.

A Lei nº 1.521/51 assevera que se constitui crime contra a economia popular  provocar a alta ou baixa de preços de mercadorias por meio de notícias falsas, situação também vislumbrada durante esta crise, principalmente em determinados produtos relacionados a saúde.

No afã de diminuir os riscos que a propagação de notícias inverídicas poderiam causar no período de crise, iniciou-se um movimento por parte de parlamentares estaduais/governadores para aprovar legislação que criminaliza as fake news.

Até o dia 15 de maio do ano corrente, cinco estados já contavam com norma jurídica com previsão de punição para quem publicar fake news: Acre, Ceará, Paraíba, Roraima e Rio Grande do Norte, sendo os quatro primeiros via Projeto de Lei e o último por Decreto Estadual. Todos eles prevêem multa para quem cometer tal infração

Projetos de Lei  similares aos acima mencionados estão em tramitação em mais 16 estados e no Distrito Federal e a tendência é que seja pauta em todas as unidades federativas no Brasil.

No estado do Pará o Projeto de Lei nº 9.051 de 07 de maio de 2020, que tratava da penalização das fake news, foi publicado em 08/05/2020, sendo a publicação posteriormente tornada sem efeito pelo próprio Governador.

A discussão acerca da inconstitucionalidade das Leis e Projetos de Lei referenciados merece guarida, pois de acordo com o art. 22, I da Constituição da República, compete privativamente à União legislar sobre direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho, logo, competiria ao Congresso Nacional legislar sobre Direito Penal, como o fez para declrara que é crime eleitoral divulgar fake news no campo eleitoral.

A justificativa dos estados que adotaram iniciativa de propôr legislação sobre tal tema é que a saúde pública é de competência da União, estados e municípios, logo, a desinformação que acarrete prejuízo nesse setor, mereceria a tutela dos três entes.

Feito tal apanhado, se observa que a regulamentação dos crimes cometidos por meio de fake news é uma necessidade premente. Isso porque, de acordo com pesquisa do IBGE divulgada em 06/11/2019, cerca de 166 milhões de brasileiros possuem acesso à internet e repisa-se as relações constituídas virtualmente são muito distintas das relações pessoais.

São mais céleres, abrangentes e até mais imprudentes. A disseminação de uma notícia falsa pela internet é muito mais gravosa, dado ao seu alcance. Além de se observar o crescimento de grupos especializados em propagação de cyberbullyng, o que seria melhor combatido com o diploma legal específico.

De toda forma, como não podemos ficar descobertos do manto legal, a legislação atual nos concede esse abrigo temporário, para que não passe incólume qualquer violação de direito ocasionada por propagação de fake news.

Roberta Coelho de Souza e Inaira Teles Barradas Dias, sócias Coelho de Souza Advogados

Debate Carajás 

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